Todo mundo de ressaca. A festa da democracia deixou um resultado parecido com aquela formatura intensa, onde a família e agregados sentam à mesa e as afinidades/divergências são expostas a cada diálogo. A conversa, que costuma ser protocolar em situações como essa, avança para discussões turbinadas por informações de procedência duvidosa. O baile segue, até que as luzes se acendem e todos se veem diante de uma nova realidade.
O Brasil pós-baile, ou pós-eleição, é um País calibrado para um “Novo Normal”, nas palavras do sócio-diretor e cientista político da PATRI Políticas Públicas, Michel Neil. Discutir política de forma barulhenta talvez seja o novo padrão, consequência – ainda que com um certo delay – da onda de protestos de 2013, materializada muito mais agora do que nas eleições de 2014.
Em entrevista para o blog Tudo é Política, Michel analisou o resultado das eleições e abordou o impacto para os profissionais de Relações Governamentais e Institucionais. Aos 38 anos, Michel é bacharel em Ciência Política pela UnB, onde fez doutorado em Ciências Sociais. Está na PATRI desde 2005. Boa leitura!
Depois de tantas batalhas nas redes sociais, nos almoços de família, na conversa no táxi (ou no Uber), qual o Brasil que saiu das urnas?
Foi uma eleição bem polarizada, com maior acirramento cotidiano nas relações familiares, entre amigos, do que nas eleições de 2014. É um sentimento maturado dos anseios, mas também pode ser um pouco do novo normal. A sociedade está percebendo que a democracia é barulhenta mesmo. Tem oposição e redes barulhentas, imprensa livre e, de preferência, barulhenta também, e tudo isso tende a se normalizar. Talvez seja o novo normal e não há nenhum problema nisso. As relações conflituosas talvez sejam perenizadas na democracia, desde que as instituições continuem funcionando de forma saudável.
E as instituições saíram fragilizadas ou ameaçadas desta eleição?
Não, não acredito nisso. A classe política precisa entender que a eleição já acabou. Era preciso que os sinais de pacificação fossem dados de imediato e eles já foram dados. E a sociedade, de maneira geral, precisa se reconciliar, reunir os cacos e voltar ao diálogo. A nossa maturidade democrática vai ser posta à prova, mas, de toda forma, a maturidade vem com o tempo para tudo. Depois de ter passado por uma guerra civil, Abrahan Lincoln já dizia: “the ballot is stronger than the bullet”, ou seja, o voto é mais forte do que a bala. Quem chegou ao poder ontem foi pelo voto. Isso é poderoso. Não foi pela força. Vai haver espaço para a oposição responsável? Vai. Só não pode implicar em uma postura do quanto pior, melhor. Já não tem espaço para isso na nossa sociedade depois de uma crise econômica longa e por causa da necessidade de recuperação fiscal dos governos em geral.
O novo governo terá legitimidade para as reformas?
O novo governo vai ter um bloco considerável para formar maioria simples, para aprovar projetos ordinários, mas para fazer emendas, que é a reforma propriamente dita, vai ter que negociar. As urnas deram legitimidade sim, mas (o novo governo) vai ter que negociar apoio condicionado de boa parte dos partidos que têm entre 5 e 10% das bancadas. E negociar não é negativo, é positivo para a democracia, para que os governos não saiam impondo vontades sem a construção de diálogo. Às vezes, o presidencialismo de coalizão é tratado de forma negativa, mas faz parte sentar à mesa e negociar.
A tendência é de ter um executivo e parlamento alinhados?
A mediana do Congresso Nacional foi para centro-direita e há um encontro ao poder executivo eleito. Isso diminui o custo da formação de maioria. Fica mais fácil governar, porque você não precisa fazer muitas concessões. O custo legítimo da negociação, que é por meio dos instrumentos do presidencialismo de coalizão, fica menor para a construção dessa maioria.
Qual deve ser o novo tom da abordagem do profissional de Relações Governamentais, em relação ao novo Congresso e executivo?
Tanto no executivo quanto no legislativo, teremos muitos policy makers novos. É natural que a gente, principalmente neste primeiro ano, tenha uma distância entre o desejado versus o que realmente pode ser feito, pelo simples fato de esses novos policy makers ainda estarem se adaptando aos ritos da estrutura governamental. Nestes primeiros meses, haverá muito de didatismo de ambas as partes.
O grande desafio do profissional de Relações Governamentais é apresentar legitimidade dos interesses dele em qualquer espectro ideológico, incluindo os dois polos que se antagonizaram nestas eleições. Então, eu acho que a forma de fazer isso é sempre demonstrar o interesse público inerente ao interesses que são defendidos. Era mais comum, até a eleição de 2014, que os interesses fossem legítimos, mas nem sempre tinha interesse público. Hoje, o grande desafio é mostrar qual é o resultado ganha-ganha, e não o de soma-zero. Conseguindo demonstrar o interesse público, você estará à frente, você vai conseguir mostrar o ganha-ganha do seu pleito. Isso não quer dizer que, se não tiver interesse público, não é legítimo também. Mas o mundo agora fica mais fácil para quem conseguir mostrar o interesse público.