Um ouvinte desavisado que navegasse pela podosfera (universo de podcasts) e chegasse a um programa apresentado por Humberto Dantas teria que rever a descrição, para identificar se a sintonia está correta. Esse programa é mesmo sobre as casas legislativas? Afinal, à primeira ouvida, é muito difícil discutir o Congresso, Assembleias e Câmaras de uma forma interessante, densa e (por que não?) bem-humorada. Esse é um dos grandes méritos do Legis-Ativo, podcast abrigado dentro dos blogs do Estadão.
A legitimidade do professor Dantas vem de muitas siglas. Dantas é Doutor em Ciência Política pela USP, pesquisador da FGV-SP e coordenador do Master em Liderança e Gestão Pública (MLG) do Centro de Liderança Pública (CLP) e da pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP. Em resumo, ele entende do que fala e escreve.
Nos últimos programas semanais com o seu companheiro de prosa, o também cientista político Vitor Oliveira, Dantas tem tratado do novo Congresso e dos personagens que vão compor o novo governo eleito. Sobre esse e outros assuntos, entre eles, transparência, Dantas conversou com o blog Tudo é Política. Boa leitura!
1 - Como é ser coordenador de um blog e de um podcast sobre o legislativo em um País em que o nível de discussão política, na maioria das vezes, tem a profundidade de um meme?
Não é nada fácil, mas por vezes é exatamente essa pergunta que nos motiva a seguir. Se temos a profundidade reduzida e problemas políticos agudos que refletem em nossa sociedade, nós que percebemos que o parlamento tem um papel essencial na democracia precisamos dar um jeito de fortalecê-lo e legitimá-lo. O Legis-Ativo, que informa e mostra como a Ciência Política estuda e produz, também é uma ferramenta de adensamento cultural e educação. Ao menos é isso que desejamos.
2 - Quem se interessa em saber mais sobre o trabalho parlamentar? Quem são os seus leitores e ouvintes?
Nosso público é muito heterogêneo, e isso nos agrada demais. Estudantes de diferentes carreiras, sobretudo de humanas. Jornalistas que buscam boas pautas e olhares sobre a realidade parlamentar. Políticos que nos procuram e nos citam como fonte de pesquisa séria e debates relevantes, e cidadãos em geral. Acho muito relevante a diversidade de pessoas que comentam nossos conteúdos, isso nos deixa muito felizes. Ao longo do processo de impeachment tivemos textos com alguns milhões de acessos, e isso é representativo.
3 - Como virar a chave para despertar o aumento do consumo de Política?
Acredito que estamos virando, é um processo que exige tempo. Mas é impossível negar que discutimos mais política nesses últimos anos. Por vezes de forma exagerada e equivocada, mas estamos discutindo. A política, tornando-se mais percebida e respeitada, avançará de forma relevante.
4 - Passada uma eleição em que piadas, fake news e news disputavam a atenção do eleitor (e o confundiam) qual foi o saldo para o amadurecimento do processo democrático do País?
Medir isso é sempre muito complicado. Genialidades nem sempre são utilizadas para o que existe de melhor, ou seja, a internet, por exemplo, pode ser genial e trágica. Boa e ruim. Acredito que disputas dessa natureza sempre existiram. É o velho e tradicional jogo entre verdade, mentira e interpretações mais ou menos bem humoradas que sempre nortearam as campanhas. A diferença é que perdemos o controle sobre muitos dos fenômenos pela velocidade e capacidade de abrangência. Mas isso tende a se tornar obsoleto com o tempo e nos depararemos com novos desafios…
5 - Qual é o perfil do novo congressista?
Tem uma diferença entre a Câmara e o Senado. O senado apanhou DEMAIS na eleição. Dos 32 senadores que buscaram a reeleição, num total de 54 vagas, só oito foram reeleitos. Entre os 27 que têm mais quatro anos de mandato, 17 buscaram outros postos e só três conseguiram. Ex-senadores e políticos de destaque não conseguiram uma vaga, e senadores fugiram da reeleição e alguns sequer foram eleitos deputados. Teremos assim algumas novidades interessantes, além de velhas figuras. Já na Câmara dos deputados, o que vimos foi uma renovação acima da média, mas fortemente ancorada na entrada agressiva de um novo agente partidário. Nunca vimos um partido pular de UM deputado eleito no pleito anterior para 52. Isso afastou MDB e PSDB, principalmente, da Câmara. Ademais, temos uma pluralidade maior de partidos nas duas casas que tornarão o ambiente de governabilidade mais complexo. Por fim, temos que destacar o fato de que temos uma Câmara mais conservadora e, ao mesmo tempo, mais aguçada ideologicamente em meio a um ambiente de conflito político. Esse primeiro ponto é importante, pois as reformas liberais em termos econômicos podem sofrer resistência de onde se espera parceria com o discurso do governo. Em resumo: não será uma relação tão fácil quanto alguns imaginam.
6 - Pelo que está se configurando, executivo e legislativo caminham para qual nível de alinhamento?
Dificuldade nessa agenda. Primeiro porque Bolsonaro não é uma figura que prima pela clareza de sua agenda. Informações desencontradas dão o tom de alguns pontos, sobretudo quando o assunto é economia. Acredito que a agenda CONSERVADORA pode ter maior facilidade de prosperar, uma agenda de costumes mais tradicionalistas. Mas economia é um assunto frágil e difícil. Reforma da Previdência, por exemplo, não foi tema fácil em qualquer governo recente. Não será agora…
7 - Quais são os temas que não devem faltar no primeiro ano da nova legislatura?
Depende de quem está olhando para o Congresso. Para o Bolsonaro se firmar com seu eleitorado, a agenda conservadora é importante. Para as contas brasileiras, a agenda fiscal é essencial, mas esse é difícil. Vamos ver por onde o governo ataca.
8 – Falando sobre um dos princípios democráticos. Como você vê a importância da transparência das casas legislativas, para fomentar a participação dos grupos da sociedade?
Essenciais. A casa do povo tem que ser um exemplo republicano, democrático e cidadão. Uma casa parlamentar tem que ser absolutamente transparente por excelência e lógica.
9 - Para encerrar, o Congresso brasileiro merece um voto de confiança?
O Congresso Nacional enquanto instituição é a base de sustentação de nosso sistema democrático representativo. Assim, ele sempre terá que ser valorizado. O Congresso eleito, por sua vez, em último caso é a expressão do desejo da sociedade em sua pluralidade. Negar o Congresso é negar nossa capacidade de escolha. Precisamos estabelecer uma autocrítica do eleitor e caminhar adiante.