Pensar política, além de ser uma demanda do novo cidadão, é uma necessidade dos governos modernos a fim de legitimarem políticas públicas e também de fornecerem uma gestão coerente com as necessidades das empresas e das pessoas. Esse ato de pensar carece, para tanto, de ser participativo. Desafio que encontra nas inovações tecnológicas um caminho para aproximação entre o público e o privado.
Pessoas, empresas e grupos organizados desempenham no Brasil contemporâneo um protagonismo político crescente e acelerado. As causas apontadas são diversas e vão desde o amadurecimento democrático de nossa jovem república até a sofisticação dos meios de comunicação, que permitem maior organização dos interesses, visibilidade e vigilância das políticas públicas.
Esse novo cidadão, politicamente ativo e demandante em políticas públicas, tem desempenhado uma crescente pressão sobre os governos. Seja para mostrar a realidade e as necessidades de sua comunidade, seja para sugerir mudanças na legislação ou para saber como seu deputado votou nas questões que o afetam. Cidadãos bem informados e politicamente participativos trazem consigo desafios que a democracia representativa simplesmente é insuficiente para resolver.
A resposta encontrada pelos Estados modernos para esse desafio é a chamada governança pública, uma nova forma de gestão do Estado, pautada em valores de legitimidade, transparência e participação. Esse modelo foi idealizado por organizações como ONU e OCDE para uma ação compartilhada entre Estado, empresas e sociedade civil visando à solução de problemas sociais. Esse novo pilar de modernização da gestão pública passa pela participação social, indicando demandas e necessidades, contribuindo com informações técnicas, trazendo ganhos de eficiência e respostas inovadoras, legitimando e conferindo accountability às políticas públicas.
Modelos de participação social já foram analisados pela literatura. Jürgen Habermas fala de um modelo de participação indireta e informal, na qual a sociedade tenta influenciar as decisões políticas por meio de canais e instrumentos indiretos e informais, como são os casos de passeatas e lobby informal. Joshua Cohen, ao criticar esse modelo propõe a participação social indireta (sem poder de deliberação, apenas de informação) por meio de canais institucionalizados. Esse modelo serve de parâmetro para instituições como conselhos paritários e consultas públicas. Um terceiro modelo, estudado por James Bohman, é o de deliberação direta pela sociedade, que, por meio do voto, define os rumos de determinadas políticas públicas. Esse é o caso dos orçamentos participativos, experiência brasileira replicada no mundo.
Trazer os cidadãos e as empresas para perto da gestão pública tem sido facilitado pelo desenvolvimento de ferramentas tecnológicas. A possibilidade de acesso e de participação foi ampliada significativamente por plataformas de gestão com suporte pela Internet. Instrumentos, institutos e experiências inovadoras em todo o mundo têm revolucionado a relação entre o público e o privado, aproximando os cidadãos e as empresas da gestão pública. São diversos os exemplos que servem de parâmetro e inspiração para um novo modelo de gestão.
As consultas públicas são um instrumento de participação indireta e formal, por meio do qual os cidadãos e organizações interessados podem colaborar com o processo de construção de regulamentos. São indicadas pela OCDE como melhores práticas em políticas de regulação. Esse mecanismo tem sido adotado e aperfeiçoado pelas agências reguladoras como forma de receber subsídios técnicos e informações para embasar e qualificar o processo de tomada de decisões. Apesar de não representarem voto, as informações recebidas permitem um maior esclarecimento das questões debatidas e das posições dos grupos, empresas e cidadãos. Sistemas eletrônicos para envio de manifestações auxiliam no engajamento, ampliando e dando transparência à participação social.
No caso da Anvisa, para participar das consultas é necessária identificação do participante, que pode ser pessoa física ou jurídica. A avaliação sobre concordância e impacto da nova regulamentação é feita sobre a norma, de forma geral, havendo diferentes graus de concordância e de impacto a serem escolhidos. O formato dos campos para contribuição é a apresentação da proposta artigo por artigo. Para cada artigo o participante pode registrar sua contribuição em dois campos: proposta e justificativa.
Esse modelo de consulta por meio de plataforma digital permite ainda a avaliação agregada dos dados. A consolidação das informações é feita pelo Relatório de Análise de Participação Social, que detalha o perfil dos respondentes, suas opiniões e possíveis impactos. É possível verificar como os participantes avaliam a norma de maneira geral, quais artigos são mais polêmicos e controversos e que contribuições podem aprimorar a redação proposta.
No âmbito do Poder Legislativo federal existe uma ferramenta similar, em fase beta, criada pelo portal e-Democracia da Câmara dos Deputados, chamada Wikilegis, por meio da qual os cidadãos podem opinar em projetos de lei e enviar sugestões de alteração da redação e comentários para cada artigo.
Outra experiência interessante, ainda no mesmo âmbito, são as audiências públicas interativas. Essa iniciativa transmite em tempo real as audiências públicas realizadas pela Câmara dos Deputados, conferindo maior alcance dos debates sem que o interessado tenha necessariamente que estar presente no momento e local da reunião. As gravações ficam disponíveis durante certo período, permitindo o acesso posterior. Ainda, é possível que os cidadãos participem de maneira remota pelo vídeo-chat questionando, comentando e dando sugestões, que são lidas aos expositores pelo deputado que preside a audiência. As perguntas podem ser rankeadas pelos participantes, de forma que eles próprios possam organizá-las por relevância.
Uma nova forma de participação popular recentemente anunciada é a chamada Pauta Participativa. Essa ferramenta permite que a sociedade participe da agenda, da construção da pauta do Plenário da Câmara dos Deputados, escolhendo os projetos de seu maior interesse nas áreas de política, segurança e saúde. A primeira votação foi aberta para participação social no dia 12 de setembro e o resultado entrará na pauta do dia 27 do mesmo mês. A consulta ficará aberta por 15 dias e os projetos com maior saldo positivo de votos, segundo o método denominado Democracia 2.1, constarão da pauta de votações do pleno.
Essa iniciativa piloto será observada e analisada por pesquisadores. O projeto parece promissor no sentido de conferir algum poder de agenda aos cidadãos, permitindo que a pauta de votações não seja objeto apenas de acordos políticos, mas que haja em algum grau, uma ingerência da sociedade nessa definição.
Em que pesem sua eficácia e valor, essas ferramentas encontram alguns desafios. O primeiro está relacionado à qualidade das contribuições, que devem ter amparo em dados técnicos e que efetivamente tragam subsídios à discussão e, mais, propostas de soluções que sirvam como alternativa à proposta para solucionar os problemas sociais. Quando as contribuições são acompanhadas das respectivas análises de impacto e alternativas de solução as possibilidades se ampliam.
O segundo está relacionado à ainda incipiente cultura de participação social no país. Ainda estamos engatinhando nesse processo, aprendendo com erros e acertos, aprimorando modelos e criando o hábito salutar de participação dos cidadãos nas discussões de políticas públicas.
Mas, se os princípios da governança pública são acesso, transparência e participação, os exemplos trazidos parecem atendê-los em seu âmago e servem de parâmetro para uma reflexão aprofundada.
Post originalmente publicado no Blog Pensando Política (Infomoney)