A cifra chega aos 10 dígitos. Se formassem um município, os partidos políticos do Brasil deixariam no chinelo a maior parte das capitais brasileiras. A previsão, para este ano, de recursos públicos recebidos está na casa de R$ 2,7 bilhões, que serão divididos entre os 35 partidos registrados no TSE. Esse volume soma os fundos partidário, destinado para a manutenção dos partidos, com o eleitoral; respectivamente, R$ 1 bi e R$ 1,7 bi.
Para se ter uma ideia, segundo dados do portal impostômetro.com, Belo Horizonte, com 2,5 milhões de habitantes, arrecadou em impostos municipais R$, 2,668 bilhões de janeiro até o começo de setembro.
E como costuma ser a prestação desses recursos públicos pelos partidos? Para o Movimento Transparência Partidária, ela é, no mínimo, opaca.
“Analisamos as contas de cinco partidos nos últimos três anos e era realmente caótica a informação, muito obscura. Cada partido informava de um jeito diferente. Informações e rubricas genéricas que não permitiam uma prestação de contas, para entender que destino teve o dinheiro público”, analisa o coordenador Marcelo Issa.
Transparência é um dos focos da ação do movimento fundado por Marcelo em 2016 junto com outros profissionais que veem o tema como fundamental para o amadurecimento do processo democrático do País. O advogado paulistano, de 36 anos, com vasta experiência na assessoria e consultoria política para organizações no campo social, toma como base a discussão sobre regulação partidária que ocorre em países com maior amadurecimento institucional como Alemanha, Espanha e Chile.
“É muito claro que, enquanto não mudarem os partidos, a gente não vai mudar a política. Uma vez que os partidos fazem a mediação entre a sociedade e a política, não é possível a candidatura independente. E ainda que fosse, os partidos são uma realidade quase inevitável, porque se não houvesse partidos, os grupos iriam se formar dentro do parlamento, por atividades, interesses e ideologia. São agrupamentos de pessoas que resolveram se reunir. Essas distorções, como falta de transparência, corrupção, não são exclusivas dos partidos. Acontecem em outros setores. Mas é difícil imaginar uma organização que desempenhe papel mais relevante que os partidos. Por exemplo, se não tem renovação dentro dos partidos, como pode ter no sistema político como um todo?”
No trabalho de advocacy feito pela Transparência Partidária, outros três pilares são a renovação, a equidade e a integridade. A renovação incluiria medidas para limitar o mandato do dirigente partidário.
“Fizemos um estudo analisando os partidos de 2007 a 2017. Em 75% dos casos, os dirigentes eram os mesmos. Alguns estatutos inclusive preveem a recondução automática do dirigente.”
A integridade diz respeito à adoção de mecanismos e princípios que já são bastante caros a sistemas de gestão que prezam pela boa eficiência e efetividade na aplicação de recursos como, por exemplo, a preocupação com o compliance.
Já a equidade foca a distribuição mais equitativa de recursos, não só financeiros, mas também os recursos de poder relativo à democracia interna. Nesse âmbito, a discussão sobre a autonomia dos partidos, prevista no artigo 17 da Constituição Federal, deve estar em sintonia com outro princípio: a de que os partidos são os guardiões da democracia. “Entendemos que a democracia interna é tão importante quanto à autonomia.”
Um dos trabalhos de maior fôlego da Transparência Partidária está na análise do Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA) dos partidos políticos, instituído recentemente e que representa um avanço na busca por maior transparência.
“Nós fizemos um grande trabalho de pressão junto com a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Contas Abertas, Transparência Internacional, para que os dados fossem abertos. A gente ajudou muito a garantir que esse sistema fosse implementado. Os partidos resistiram muito. Até o ano passado, eles prestavam conta no papel, o que seria como procurar uma agulha no palheiro. Então, a primeira providência seria instalar um sistema eletrônico semelhantes ao usado para declaração do imposto de renda, para a padronização e detalhamento das contas.”
Neste momento, os dados estão sendo organizados, filtrados, cruzados e classificados. A entrega da análise dos resultados deve ser feita nas próximas semanas. “Estamos começando a abrir a caixa preta dos partidos.”
Marcelo reconhece que, apesar de importante, o tema Transparência Partidária pouco deve aparecer nas próximas eleições. Um dos motivos é o próprio descrédito pelo qual passam os partidos políticos, além do desconhecimento do processo eleitoral.
“Diversos levantamentos mostram que os partidos estão na última colocação em relação à confiança. As pesquisas também detectam que 70% das pessoas consideram mais a pessoa do que o partido. Isso indica descrédito, desprestígio e também um certo desconhecimento sobre as regras do próprio sistema político. Os partidos são fundamentais porque o sistema político está estruturado a partir deles. No voto para o parlamento, por exemplo, o partido tem mais relevância do que o candidato. As pessoas, na verdade, votam duas vezes: a primeiro no partido e a segunda, no candidato.”
E o futuro? Para Marcelo, a agenda do Movimento Transparência Partidária pode ajudar a romper o mecanismo que induz a velhas práticas partidárias, um risco até para os movimentos que surgem com a missão de oxigenar a política.
“Os partidos mais tradicionais surgiram de pessoas sérias, generosas. O que aconteceu, então, para eles chegarem a esse ponto? Novos movimentos que podem se tornar partidos estão surgindo. E daqui a 20, 30 anos, eles podem reproduzir as mesmas distorções que a gente observa hoje. Por isso, é necessário adotar novas dinâmicas, novas regras de governança, para não acontecer o mesmo. É muito alta a chance de acontecer a mesma coisa, caso eles venham a surgir dentro do mesmo marco regulatório.”