O Brasil não é para principiantes. A frase atribuída ao nosso grande maestro Antônio Carlos Jobim pode ser aplicada a outros microssomos tupiniquins. Entre eles, o tão criticado Congresso Nacional. Entender a Câmara e o Senado não é para amadores, mas para profissionais que conseguem fazer uma leitura abrangente dessas duas instituições a ponto de reconhecer a qualidade do capital humano das duas casas – principalmente dos assessores.
Traduzir o Congresso Nacional é missão dada e cumprida por uma das mais ágeis equipes do jornalismo brasileiro. Desde 2004, o Congresso em Foco faz uma cobertura apartidária do parlamento brasileiro. O “jornalismo para mudar”, lema que ajuda a explicar o foco da ação, já levou o Congresso em Foco a arrematar os mais importantes prêmios do jornalismo brasileiro, entre eles, o Esso de 2009, na categoria melhor contribuição à imprensa.
O site, que contabiliza dezenas de milhões de acessos por ano, já seria um sucesso de tráfego em qualquer nicho. Os números ficam ainda mais impressionantes, por se tratar de um veículo ligado à cobertura política, mais especificamente do Congresso Nacional.
Um dos jornalistas à frente do Congresso em Foco é Edson Sardinha. O goiano, de 39 anos, está no site desde a sua criação, em 2004. Com passagens pelo jornal O Estado de S. Paulo e site comunique-se, ele já conquistou o prêmio Embratel, pelas matérias sobre a farra das passagens aéreas, e duas vezes o Vladimir Herzog, por série de textos sobre deputado ameaçado por grupos de extermínio.
Profundo entendedor dos meandros no Congresso, ele consegue enxergar além dos estereótipos e relata, em entrevista exclusiva para o Portal Sigalei, as dificuldades da cobertura política e analisa as tendências da próxima corrida eleitoral.
1) Como é a rotina de cobertura no Congresso Nacional?
O Congresso em Foco foi criado em 2004 com a proposta de fazer uma cobertura independente das atividades da Câmara e do Senado. A ideia é jogar luzes sobre o processo legislativo, os bastidores políticos e outras informações de interesse público muitas vezes escamoteadas pelo poder público e pouco transparentes. Para fazer esse trabalho, temos uma equipe enxuta. Basicamente quatro jornalistas: um editor-executivo, um editor e dois repórteres. Começamos os trabalhos por volta das 7h e seguimos até o final da noite, não raras vezes, avançando até a madrugada. O site é atualizado todos os dias. Trabalhamos com material exclusivo, mas também com o noticiário factual. Não nos limitamos à cobertura do Congresso. Também destacamos ações importantes no Executivo, no Judiciário e no Ministério Público. Os repórteres atuam na Câmara e no Senado, mas há uma retaguarda na redação.
2) Quais são as maiores dificuldades?
As maiores são dificuldades estão relacionadas ao tamanho da equipe, muito reduzida para enfrentar a concorrência de veículos com muito maior poder de fogo. Quanto ao acesso às informações, consideramos a Câmara mais transparente que o Senado. Muitas das informações relacionadas à transparência, como uso da verba pública e assiduidade, são encontradas no próprio site da Câmara. O Senado, nesse ponto, é menos transparente.
3) Ainda há problemas em relação à transparência na disponibilização de dados e informações?
Sim. O Senado não divulga, por exemplo, a frequência dos senadores. O Congresso em Foco é o único veículo a fazer esse tipo de levantamento. Para isso, buscamos os dados em cada edição do Diário Oficial. O Senado também não discrimina, com detalhes, como os parlamentares utilizaram a cota parlamentar. Falta a apresentação de notas fiscais, ao contrário do que ocorre na Câmara, que se caracteriza por ser mais transparente.
4) Qual foi a cobertura mais marcante para o Congresso em Foco?
Em 2009, revelamos que parlamentares, familiares, amigos e até artistas utilizavam indevidamente a verba da Câmara e do Senado para voar. Muito se suspeitava de que irregularidades ocorressem no uso do benefício, mas, até então, ninguém havia comprovado nem havia dimensionado o tamanho do problema. Praticamente todos os parlamentares foram flagrados na chamada “farra das passagens”. O caso teve ampla repercussão no noticiário nacional durante duas semanas. O site foi citado por todos os grandes veículos do país. Foram cinco noites seguidas de citação no Jornal Nacional. Diante do escândalo, as duas Casas se viram obrigadas a mudar as regras para a cota de passagens aéreas. Ficou proibida a utilização do benefício para fins que não fossem relacionados à atividade parlamentar. Apenas o deputado ou senador e assessores em serviço podem voar com essa verba pública. A estimativa, em 2009, era de que a mudança nas regras geraria uma economia anual de R$ 25 milhões apenas na Câmara. Foi um caso em que foi possível não só mostrar uma realidade, como interferir na condução dos fatos. Em outras palavras, o jornalismo cumpriu sua função social ao dar transparência a práticas contrárias ao interesse público.
5) De forma geral, você acredita que a sociedade está mais atenta aos trabalhos no Congresso?
Percebemos que há uma demanda crescente na sociedade por informações sobre política, sobretudo, em momento de polarização política. Por outro lado, há uma resistência ao jornalismo dito independente, que não pende nem para um nem para o outro no embate polarizado. Prevalece na sociedade a percepção de que todos os parlamentares são igualmente ruins. O que pretendemos fazer é combater essa mentalidade, que favorece apenas os maus políticos. Daí a importância de se mostrar o que há de ruim mas também o que há de positivo na Câmara e no Senado.
6) Qual é o perfil do leitor do Congresso em Foco?
Ao todo, 75% de seus leitores são tomadores de decisão ou formadores de opinião, 74% das lideranças no Congresso o acessam duas vezes ou mais por semana; 60% acessam todos os dias. É um dos veículos brasileiros mais citados no exterior pela Time, The Economist, The New York Times, Le Monde, entre outros.
7) Quais são as publicações do Congresso em Foco que costumam causar maior impacto?
Levantamentos sobre processos criminais envolvendo parlamentares e assiduidade, matérias sobre utilização indevida de recursos públicos, supersalários, entre outras.
8) No começo do ano, foi reconhecida a profissão de lobista (profissional de relações governamentais/institucionais). Você acredita que a regulamentação da profissão seria benéfica para este profissional e para a instituição Congresso Nacional?
Não tenho posição formada sobre o assunto. A regulamentação é importante para tirar das “sombras” a imagem deste profissional. É importante separar o joio do trigo, o profissional que faz o lobby de maneira lícita e transparente e aquele que estabelece relações promíscuas com os parlamentares.
9) Qual é o perfil mais comum do parlamentar que assume um mandato? De forma geral, ele está preparado para isso?
Homem, branco, com formação superior, patrimônio superior a R$ 1 milhão e que já atua como político profissional. Em 2002, houve uma novidade: crescimento da bancada sindicalista. Esse ponto mudou na atual legislatura. A bancada sindical praticamente desapareceu. As bancadas ruralista, evangélica e da bala estreitaram seus laços e imprimiram uma marca ainda mais conservadora ao Congresso. A renovação tende a ser menor na próxima legislatura por causa das novas regras eleitorais, que facilitam ainda mais a vida de quem tem mandato e dinheiro. Boa parte dos novatos é herdeira política. Levantamento feito pelo Congresso em Foco revela que quase 70% dos congressistas são de famílias de políticos. Isso favorece a manutenção das velhas práticas políticas. A renovação, nesse caso, é apenas de rostos. Os parlamentares novatos costumam demorar um tempo para entender os meandros do Congresso. Mas, como a Câmara e o Senado têm profissionais qualificados, acabam sendo bem assessorados. Os assessores, sobretudo os efetivos e aqueles mais especializados, são fundamentais para o exercício da atividade parlamentar.
10) Como você avalia o trabalho das comissões? É lá que são feitos os grandes debates legislativos hoje?
As comissões são desprezadas, em geral, pela grande imprensa. Muitas propostas tramitam apenas ali, sem passar pelo plenário. É um palco fundamental da atuação parlamentar, ofuscado pelo plenário.
11) Você acredita que as decisões do Congresso tem lastro popular ou há uma falta de sintonia entre o mundo do Congresso e a sociedade?
Há uma completa dessintonia entre o Congresso e a sociedade. O Parlamento é incapaz de ouvir as demandas da sociedade. Os grandes grupos econômicos atuam ali na defesa dos próprios interesses. Setores da sociedade que não conseguem formar grupos de pressão são ignorados pelos parlamentares.