É um assunto recorrente nas discussões sobre política e que ganha intensidade quando aumenta a fricção entre o Executivo e o Parlamento. Adicione aí um impeachment recente e uma pauta de alto calibre no Congresso, a reforma da Previdência, cuja necessidade é consensual quanto ao fim, mas polêmica quanto aos meios. Estão formadas as condições perfeitas para o tema parlamentarismo voltar à tona.
Outros sintomas desse mesmo diagnóstico também ocorrem em declarações que questionam o modelo atual e fazem referências a mudanças, ainda que de forma estereotipada. O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) vaticinou, questionado pela revista Crusoé: “ou a gente tem um parlamentarismo branco em que o presidente vira uma rainha da Inglaterra ou a gente passa por um processo de impeachment dependendo da votação do crédito suplementar.”
Sem tanto espraiamento digital, também é relevante a notícia de que o senador José Serra (PSBD-SP) está revisando a proposta de emenda constitucional, para instituir o parlamentarismo no Brasil. Ou seja, o assunto está na roda, inclusive pelas próprias características do jogo político.
“Quando a presidência vai bem, a discussão sobre parlamentarismo sai de escopo. Quando há a interpretação do legislativo de que a presidência não vai tão bem, vem uma tentativa de revigorar a percepção de ressurgimento do parlamentarismo. Creio que agora, neste início de governo, houve uma troca de guarda. As curvas de aprendizagem, sobretudo do Executivo, colocaram algumas incertezas em representantes do mundo político. E aí é aquela história: não há vazio de poder político. Se alguém sente que há um espaço para propor algo que seja benéfico para a sua percepção, a pessoa propõe”, explica o professor e doutorando em Política Comparada no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Creomar de Souza.
Para identificar com mais clareza se as discussões sobre o parlamentarismo vão avançar, é preciso levar em consideração algumas características envolvendo a percepção do brasileiro sobre política. Por exemplo, em linhas gerais, o debate é preterido em relação à execução. Ou seja, o foco não está em quem constrói o consenso para as ações, mas em quem as executa.
“A mentalidade do brasileiro comum é muito mais personalista do que partidária. A maior parte vota em um indivíduo e não em uma legenda. Isso cria uma dificuldade quando você fala em mudanças da regra do jogo em que as figuras partidárias sejam mais destacadas do que as individuais”, ressalta o professor.
Apesar dessa dificuldade, os eleitores têm dado sinais de que querem mudanças, mas não necessariamente a de um novo sistema de governo.
“Uma parte do modelo político democrático feito em 88 caducou. Os eleitores têm dado esse recado. Nesse processo, temos um Executivo com uma tendência histórica a querer legislar via Medidas Provisórias, um Supremo que acabou assumindo a prerrogativa de resolver um número enorme de demandas e um Congresso que sofreu um enorme desgaste das percepção positivas da sociedade. Isso gera um quadro que institucionalmente é muito ruim para a democracia, porque o cidadão comum olha para o STF e pensa que ele não julga com eficácia, olha para o legislativo e acha que ele não legisla, o que não é verdade. No fim, acaba depositando todas as esperanças no Executivo, porque tem a ideia toda focada em um ente que acaba sendo uma espécie de salvador da pátria.”
Independentemente das posições ideológicas, ou da profundidade das discussões, o professor vê com bons olhos o aumento da participação política, potencializada pelo avanço da tecnologia. “Talvez a maior dificuldade do governo e dos personagens políticos seja entender que a sociedade brasileira já é digital, mas o governo e a política ainda são analógicos.”
Nesse sentido, em muitos casos, há um descompasso entre agendas, o que talvez esteja acontecendo a respeito do parlamentarismo. “Essa discussão do parlamentarismo pode ser importante, mas, em termos de prioridade do cidadão comum, não é a mais importante nesse momento. O País está em processo econômico complicado e as pessoas querem soluções para esses problemas. Esse balão de ensaio (do parlamentarismo) está jogado. A sociedade vai agarrar esse balão? Se não for agarrado, há outras prioridades que devem ser levadas a cabo antes.”
Mesmo que a discussão não avance, merece destaque, na opinião do professor, a postura atual do Parlamento. “Essa nova legislatura, e isso também já tem acontecido nos últimos anos, tem assumido um crescente pró-ativismo. Isso fortalece a cultura de que o Legislativo importa nos processos de tomada de decisão, porque é a casa do debate. Se isso vai redundar em algum momento em uma escolha da sociedade para construção de uma lógica parlamentarista, isso é outra conversa, mas não tira de escopo a necessidade e a positividade do fato de que o Legislativo está cada vez mais atuante e participativo da vida política nacional.”