Eduardo Galvão tem nome de ator famoso e, de vez em quando, também precisa escolher os papeis que vai assumir. Quando lhe perguntam a sua profissão, ele brinca que costuma olhar o relógio para checar quanto tempo tem para responder. Dependendo do ambiente e do interlocutor, ele crava que é advogado e fim de conversa. Caso esteja mais tranquilo, pode explicar a atuação em Relações Governamentais. E que é muito orgulhoso da profissão.
A dificuldade em revelar o que faz tem dois motivos: o pouco conhecimento das pessoas a respeito da profissão de lobista e o rotineiro vilipêndio a que ela é submetida, quando esse palavra, tão carregada de estigma, ganhas as manchetes dos jornais. Eduardo é enfático para diferenciar. “O lobby é o contraponto da corrupção. Eu gasto tempo fazendo pesquisa, análises, relatórios, sola de sapato, para tentar convencer o pessoal. Quem leva a mala preta não precisa de análise e convencimento.”
Análise e convencimento representam a essência do trabalho do profissional de Relações Governamentais ou Institucionais. Assim como a maioria dos brasileiros, Eduardo tinha uma vaga ideia do que era a atividade, quando foi escalado pela escritório de advocacia para exercer essa função. “A partir daí, eu fui descobrindo. É uma coisa que te apaixona”, conta ele, que há 16 anos trabalha na área.
Hoje, o gerente de Relações Governamentais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) também atua como professor de Relações Governamentais e de Políticas Públicas no Ibmec e no UniCEUB e é fundador do Pensar RelGov, um think tank focado em difundir conhecimento sobre a área. Também já escreveu três livros sobre Relações Governamentais. Entre eles, o “Fundamentos de Relações Governamentais”, publicado em 2016. Há pouco mais de quatro meses, Eduardo e outros tantos profissionais ganharam uma sequência de números que pode ajudá-los a responder com mais facilidade sobre a sua ocupação. O registro 1423-45, que designa o profissional de relações institucionais e governamentais, foi incluído na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
“O efeito objetivo ainda vai demorar para acontecer, mas o reconhecimento significa a percepção de aceitação da atividade. Tem um efeito social enorme. O Governo reconheceu e oficializou uma atividade que antes era vista como realizada nas sombras”, avalia Eduardo. Ele ainda não conheceu ninguém que tenha mudado o registro para ser classificado como profissional de relações institucionais. “A reclassificação de quem já está contratado e o registro dos novos é um processo e isso começará agora”.
Com Eduardo, não há nada no horizonte que indique alguma mudança. Há 12 anos na Abimaq, a carreira sólida é acompanhada da busca constante de informações e da agenda cheia. É difícil definir a rotina, sempre mutante, mas ela sempre inclui o olhar atento às publicações oficiais, para identificar mudanças nos cargos, nas agendas, no monitoramento de temas.
Reuniões e encontros com autoridades? Tem sim, pelo menos um ou mais por semana. As tecnologias de comunicação facilitam o trabalho, mas não conseguem resolver tudo. “Nada substitui o tête-à-tête.”
Eduardo avalia que a maior dificuldade da profissão está inerente ao contexto do País: a falta de representatividade. Entre elas, a do Poder Público como um todo, já que muitos setores não sentem que os seus eleitos são os seus porta-vozes. Outros problemas são de natureza operacional: o crescente volume de proposições legislativas, o que acaba gerando mais reuniões, mais documentos e informações para analisar e a velocidade desse fluxo de informações, que demanda respostas cada vez mais rápidas.
O respaldo à atividade pode aumentar com a regulamentação. Eduardo cita como positiva a nova redação apresentada pela deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) no projeto de lei do deputado Carlos Zaratini (PT-SP), que regulamenta o lobby. Segundo ele, a nova redação atende aos objetivos de desburocratizar e de evitar barreiras de acesso a grupos sociais menores e menos estruturados. “Com o projeto, você pode contemplar pequenas associações, que não teriam acesso fácil ao Congresso.” O projeto já foi aprovado nas comissões e pode ser votado a qualquer momento.
Mas por que uma empresa ou instituição precisa desse profissional? Eduardo responde com exemplos. “Olha só os casos da Uber, AirBnb, Nubank. Essas empresas quase tiveram as suas operações prejudicadas por causa de questões regulatórias. Tudo pode ser regulamentado no país. O Brasil é altamente regulador e interventor na economia. É necessário que todos os setores estejam monitorando o que está acontecendo no Legislativo e no Executivo para identificar eventuais riscos e oportunidades. Ou você monitora e participa do debate ou você vai ficar refém do que for decidido.”
Nesse ambiente em que uma decisão pode definir os rumos de uma empresa ou de toda uma atividade, o trabalho de inteligência é feito inclusive para evitar situações em que possam ocorrer propostas pouco republicanas. “Nunca aconteceu comigo. Mantemos contato com pessoas que trabalham corretamente e nos cercamos de cuidados para seguir o compliance.” Além disso, a postura profissional e reputação da instituição que representa também ajudam a inibir conversas desagradáveis.
A postura estratégica e disciplinada desse brasiliense de 37 anos, filho de militar e professora, o ajuda a pavimentar o caminho dessa nova carreira, que é desmistificada pelo convencimento (olha ele aí de novo). “Quando eu explico o que é a atividade, o que eu faço, as pessoas falam ‘que trabalho bacana, enobrecedor’, mas se eu digo a palavra lobby logo de cara, muita gente dá um pulo pra trás.” Tanto no trato pessoal quanto no profissional, a boa e velha prosa é o melhor instrumento de um lobista.