Chegou o momento de "resetar" o capitalismo? A sobrevivência das empresas e associações a médio prazo depende de uma mudança de postura frente aos novos desafios de uma sociedade cada vez mais exigente. Veja os riscos e as oportunidades desta nova realidade.
esde que o jornal britânico Financial Times (FT) lançou a Campanha Nova Agenda, propondo uma reinicialização do capitalismo, a discussão sobre o foco lucrativo dos negócios se intensificou.
A proposta já era defendida por alguns dos mais notáveis economistas do mundo. Autor do livro “O Futuro do Capitalismo”, lançado em 2018, o britânico Paul Collier argumenta que o capitalismo deixou de atender necessidades urgentes.
Reflexão semelhante faz o indiano Raghuram Rajan, em seu mais livro, “O Terceiro Pilar: como os mercados e o estado deixam a comunidade para trás”, lançado em 2019.
Ex-presidente do Banco Central da Índia e ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), Rajan aborda a importância das comunidades locais e lamenta o desaparecimento delas ante grandes mercados governamentais.
O sistema econômico atual, portanto, tem sido o cerne das discussões. E quando se inicia um novo ano, é preciso refletir se os rumos traçados no ano anterior apontam na direção certa; aquela que levará sua empresa a progredir.
A palavra de ordem é reset. Contudo pode parecer um pouco radical ou até impossível dar um reset no capitalismo, redefinindo suas configurações iniciais.
No entanto, há outro vocábulo que pode conduzir essa reflexão: adequação. Numa comparação bem simples com a realidade cotidiana: é como a linguagem. Pais sentem-se contrariados e quase não se conformam quando se deparam com a comunicação da moçada nas redes sociais. Abreviaturas recorrentes, expressões inventadas, signos incompreensíveis.
“Nem parece português”, podem pensar. Mas estão enganados. É o português adequado aos novos tempos. Para integrar o grupo marcado pela informalidade e rapidez, o jovem precisa se adaptar. Tem que conhecer o código. Recusar-se a fazê-lo tem preço. É a exclusão.
Bem, cremos que ficou claro. Para aderir à nova agenda proposta por célebres profissionais, serão necessários, sim, alguns ajustes. E, acredite, devem ser promovidos o mais rápido possível.
Evidentemente, não estão concentrados em um único fator. Mas dois deles são fundamentais para garantir a sobrevivência do negócio e vislumbrar um bom futuro.
A editora de mercado do FT US, Katie Martin, ressaltou que investidores e executivos de negócios são pessoas como nós. Eles têm filhos em idade escolar e que planejam, “para a próxima sexta-feira”, entrar em greve contra o meio ambiente. Para ela, isso realmente afia o problema.
O depoimento foi registrado em reportagem especial do próprio FT US. “De repente, os investidores estão olhando muito mais seriamente para como nos tornaremos bons administradores do ambiente global. Como nos olharemos nos olhos daqui a 20 anos? Teremos a sensação de ter feito a coisa certa?”, questiona.
Gillian Tett, editora geral do FT US, complementa: “estamos caminhando para um mundo em que os investidores cada vez mais reconhecem que precisam olhar para o longo prazo. É preciso ter uma noção mais ampla do contexto em que está operando”.
Ou seja, a percepção da realidade é fundamental.
A discussão se concentra no grande problema do foco na maximização dos lucros e no valor para os acionistas. O diretor de redação do FT US, Lionel Barber, justificou, em entrevista à BBC, que na década seguinte à crise financeira global (2008), o capitalismo ficou sob pressão; e disse que esses princípios do bom negócio são necessários, mas não mais suficientes.
Isto é, modelos corporativos e econômicos estabelecidos com foco exclusivamente no lucro colocam em risco o seu negócio. Recusar-se a redefini-los tem preço. É a exclusão.
A campanha ‘Nova agenda’, que posiciona o FT na linha de frente do debate sobre o rumo dos modelos corporativos e econômicos, propõe firmemente a reforma do capitalismo.
Seu mote já indicou o norte para as empresas. Com o título “Capitalism. Time for a reset” (Capitalismo. Hora de Reiniciar), a ação anuncia: “Os negócios devem ter lucro, mas também servir a um propósito”.
A proposta é ratificada por Andrew Hill, editor de gestão do FT US, na reportagem especial. Para ele, uma possibilidade em 2020 é que muitas pessoas de negócios agora falem de propósito e da necessidade de incutir novos focos, além do puro valor para os acionistas.
“A cada ano que avançamos no século 21, uma geração mais jovem está preocupada com o propósito da corporação, o propósito do capitalismo. E esse é um sinal otimista. Eu acho que as pessoas serão capazes de liderar essa mudança em 2020 de maneiras que não estavam fazendo em anos anteriores”, afirma.
Katie Martin destaca que os jovens – que se tornarão clientes de bancos, de provedores de pensão, de toda a parte financeira da indústria de serviços – já se importam com esses problemas.
“Para os setores financeiro e de mercado em que estou focada, principalmente, a coisa real é descobrir como conseguir dinheiro para projetos ecológicos. Como emitimos títulos verdes? Como ajudamos as empresas que estão tentando fazer a transição de empresas sujas e oleosas em tecnologia verde? De onde vem o dinheiro para esse processo?”.
Especialista em gestão de qualidade e meio ambiente, Rodrigo Ricardo afirma que, mais do que necessário, o foco na sustentabilidade e nas comunidades tem se tornado urgente.
Doutor em Tecnologia Ambiental, consultor e professor universitário, Ricardo já viu a aplicação de metodologias sustentáveis fazer diferença até na bolsa de valores. “Fui contratado para fazer um trabalho de certificação ISO 14.001 para uma empresa do segmento de abate de bovinos, com foco justamente na valorização das ações na bolsa de valores” conta.
E se o que estiver em jogo for a possibilidade de investimento de capital estrangeiro, a regra é clara. “Os investidores sempre querem saber se a empresa tem prática de sustentabilidade, certificações ambientais, premiações, selos; eles olham essas iniciativas com muito bons olhos porque sabem que elas valorizam as ações”, ressalta.
Segundo a editora de mercado do FT US, é para isso que banqueiros e investidores têm lutado, porque sabem que, se não acertarem, a próxima geração - a de Greta Thunberg, idealizadora do movimento mundial #FridaysForFuture, não vai se interessar pelos serviços deles.
Ou seja, se empresários conseguirem se antecipar às importantes mudanças sociais, culturais e ambientais, dando mais atenção à comunidade – como sugere o economista indiano – e às necessidades urgentes, conforme defende o britânico Collier, poderão, com maior probabilidade, ganhar muito mais dinheiro a longo prazo.
Enfim, estamos diante de uma transformação importante na sociedade na qual novas variáveis ganham importância maior da Gestão de Risco Político e Regulatório, sendo essencial que elas sejam gerenciadas levando também em consideração a construção de um conhecimento conjunto com todas as partes interessadas envolvidas. Isto é, considerar na Gestão de Risco Político as variáveis sociais, culturais e ambientais demanda que o entendimento sobre estes temas tenha construção constante e que use fontes diversas.