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A importância do engajamento social na solução dos problemas coletivos

Em tempos de tanta preocupação e indefinições ocasionadas pelo avanço da Covid-19, confira o esclarecedor artigo escrito pela consultora e pesquisadora da área da saúde, Cristina Guimarães, sobre a importância do engajamento coletivo.

Publicado em:
23/3/2020
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m tempos de coronavírus vemos a importância do engajamento de todas as pessoas para reduzir a transmissão do vírus. A experiência recente de alguns países tem mostrado que medidas restritivas ajudam a reduzir o pico da transmissão e, com isso, conter o avanço da pandemia. Embora as medidas de restrição da circulação nestes locais tenham sido impostas pelo governo, vemos que informações de qualidade, de fontes confiáveis, com transparência, são capazes de mobilizar a população mesmo antes de imposições oficiais, e promover o engajamento de todos na solução do problema.

Uma epidemia dessa natureza levanta a discussão sobre a importância do envolvimento da sociedade na solução de problemas que afetam a todos. Particularmente em situações de emergência, pacientes e potenciais afetados podem ser sensibilizados para minimizar a transmissão da doença.

Um exemplo de iniciativa neste sentido foi dado recentemente pela a International Alliance of Patient Organizations (IAPO). No último dia 18, a IAPO divulgou um comunicado convidando a sociedade a compor uma espécie de junta colaborativa sobre o COVID-19, colocando os pacientes no centro das respostas de instituições e governos contra o avanço da pandemia, tais como:

  • Consultas nacionais referentes a temas de saúde pública.
  • Campanhas de conscientização em mídias digitais e sociais, para dissolução de mitos e fomento de mensagens motivacionais
  • Telemedicina e linhas tradicionais de informação, aconselhamento e suporte de comunicação.
  • Serviços de apoio profissional e de pares, incluindo programas comunitários para apoiar o auto-isolamento.
  • Serviços de aconselhamento e luto.
  • Atividade de mapeamento e vigilância.
  • Pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas e tratamentos.
  • Resposta da comunidade e atendimento domiciliar.

“Coming Revolution”

O engajamento do paciente em decisões no nível individual, organizacional, da comunidade e em políticas é conhecido como “coming revolution” e representa um movimento global. No nível individual, pode ser conhecido como a capacidade de se responsabilizar pelo próprio cuidado, contribuindo para maior aderência aos tratamentos e medicamentos, maior qualidade do cuidado e menos erros no tratamento. É vantajoso ou benéfico que os profissionais de saúde entendam como os pacientes reagem a sintomas, como se sentem perante o diagnóstico e planos de tratamento e quão equipados estão para serem corresponsáveis do seu próprio cuidado.

De forma geral, o envolvimento do paciente se dá de forma mais substancial no nível individual e organizacional. Por exemplo, evidências apontam que o engajamento de pacientes no nível da comunidade e organização melhoram a comunicação, a aderência a intervenções, redução dos custos para as organizações (no caso hospitais), e melhor experiência do paciente no contato com os serviços, com desfechos clínicos positivos (Laurance et al, 2014).

No nível coletivo, por outro lado, o comprometimento do paciente pode ser visto com a capacidade de se engajar em discussões que impactem um maior número de pessoas, por meio de políticas, de participação ativa em decisões que beneficiem o acesso a bens e serviços de saúde e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. A participação de pacientes em decisões políticas remonta há cerca de 50 anos atrás. No entanto, apenas recentemente alguns países têm testado um engajamento mais ativo e transparente de pacientes em decisões sobre aprovação de tecnologias em saúde e, por exemplo, promovido capacitações para pacientes e grupos de apoio para ampliar o conhecimento em políticas. Isso contribui nos processos de tomada de decisão seja qualificada do ponto de vista da compreensão sobre o processo decisório em saúde (Chambers, 2017; Mc Carron et al, 2019).

É mais difícil encontrar evidências sobre efetividade dos pacientes na incidência em políticas, mas iniciativas existem. Um estudo desenvolvido pelo European Patients Forum, realizado em vários países da União Europeia com o objetivo de mostrar o valor legítimo dos pacientes e seus representantes no diálogo em políticas relacionadas à saúde, por exemplo, chama a atenção para o papel fundamental desses atores no processo político, como participantes em grupos de conselhos, painéis e encontros institucionais, para decisões que verdadeiramente levem em conta suas experiências e visões (Sienkiewicz & van Lingen, 2017).

Para isso, é crucial que os representantes de pacientes sejam capacitados em políticas, no processo político e munidos de informações de qualidade sobre os benefícios das tecnologias sobre a saúde, a fim de que sua experiência dialogue e contribua com o processo decisório que impacta a saúde e qualidade de vida sua e de seus pares.

No Brasil, a Lei 8080, que cria o SUS, estabelece a participação social como um dos pilares do sistema, em decisões que impactem a saúde da população. Os mecanismos formais de participação são dados pelas conferências de saúde, participação em conselhos, consultas públicas e audiências públicas. Para além destes mecanismos formais de participação, é importante que o governo reconheça a voz do paciente como um recurso valioso em todos os estágios do desenvolvimento e avaliação das políticas.

A participação de pacientes em decisões compartilhadas em todo o espectro do ciclo político (elaboração, implementação e avaliação de políticas) pode contribuir com o governo na solução de opções viáveis de políticas, no monitoramento das ações propostas e na avaliação dos efeitos da política sobre os grupos alvo das mesmas, maximizando os recursos e evitando efeitos indesejados ou não esperados durante a implementação. Além disso, a contribuição da perspectiva do paciente pode ocorrer na fase de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novas tecnologias, em decisões sobre prioridades de pesquisa, desenho de testes clínicos e diálogos com reguladores e decisores dos processos de avaliação de tecnologias em saúde já mencionados.

Nesse momento em que a contenção da epidemia depende de um esforço coletivo e individual, o engajamento social nos mostra que a população afetada pode ser a força motriz para uma sociedade mais justa e participativa do sistema de saúde para o bem individual, coletivo e da sustentabilidade de todo o sistema de saúde.

Referências:

Chambers, M. (2017). Engaging patients and public in decision‐making: approaches to achieving this in a complex environment.  Health Expectations, 20(2): 185–187.

Laurence, J. et al (2014). Patient engagement: four case studies that highlight the potential for improved health outcomes and reduced costs. Health Affairs, 33, no 9: 1627–1634.

McCarron, TL et al (2019). Understanding patient engagement in health system decision-making: a co-designed scoping review. Systematic reviews, 8(97).

Sienkiewicz, D.; van Lingen, C (2017). The added value of patient organizations. European Patients Forum, 36 p.

*Cristina Guimarães é Bacharel em Economia (2004) pela Universidade Federal de Minas Gerais, Doutora em Demografia (2010) pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) e Pós-Doutorado pela Universidade de São Paulo (2012), com ênfase em saúde. Trabalha com consultoria em políticas de saúde e advocacy, demografia da saúde, e leciona a disciplina Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo em conjunto com o Hospital de Transplantes Euriclydes de Jesus Zerbini.

Foi consultora global em políticas de saúde pela Policy Wisdom (2014 a 2019), pesquisadora do Centro Brasileiro de Planejamento e Análise (Cebrap) entre 2012 e 2013, professora de demografia do MBA de Gestão Atuarial da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI/USP) de 2012 a 2016, pesquisadora visitante no Population Center da Universidade do Texas em Austin (2014) e professora de Demografia na Universidade de São Paulo (2011-2012). Trabalhou com pesquisa e consultorias para organizações nacionais e internacionais, como Ministério da Saúde, Banco Mundial, e organizações do terceiro setor.

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Covid-19
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