Leia o sétimo artigo da parceria Sigalei e CEPI FGV Direito-SP. A investigação realizada no âmbito da pesquisa sobre "Ensino Jurídico" mostra uma mapeamento dos projetos de lei apresentados e tramitando desde o início da Pandemia de Covid-19 para analisar as tendências do ensino superior pós-COVID.
presente artigo apresenta exercício exploratório realizado para subsidiar pesquisa da linha “Ensino Jurídico” do CEPI FGV Direito SP, que, no ano de 2021, tem como uma de suas metas analisar as tendências do ensino superior pós-COVID. A autora faz breves considerações sobre o projeto, e, em seguida, descreve o percurso de investigação preliminar da atuação do Poder Legislativo Federal na regulação e no direcionamento do Ensino Superior no período pandêmico, a partir das ferramentas da plataforma Sigalei.
Ao longo de 2021, dentro da linha de pesquisa de “Ensino Jurídico” do CEPI, desenvolvemos projeto destinado a subsidiar o posicionamento da FGV Direito SP na vanguarda do ensino superior pós-COVID.
A pesquisa iniciou-se a partir do levantamento bibliográfico de tendências para o futuro do ensino e do mapeamento de instituições de ensino globais, com base em metodologia de investigação apreciativa, para investigar (i) como foi a adaptação das instituições em momento pandêmico, e (ii) quais inovações e diferenciais podem servir de inspiração para o contexto brasileiro, considerando características principais, questionamentos e pontos de atenção.
Com o intuito de obter informações diretamente dos atores envolvidos — mantenedoras, dirigentes e docentes, por exemplo — foram também aplicados formulários online com o objetivo de compreender de que maneira instituições de ensino superior da América Latina estão lidando com o uso da tecnologia e os desafios impostos pela pandemia de COVID-19.
Após a análise preliminar dos levantamentos bibliográficos e do mapeamento das instituições, as pesquisadoras elencaram tendências que nortearão futuros estudos dentro da temática, sendo eles: i) interação global-local; ii) preocupação com transformação social, cidadania e sustentabilidade nas instituições; iii) democratização do ensino superior; iv) formação contínua, integral e transdisciplinar; v) possibilidade de personalização e flexibilidade para docentes e discentes; vi) protagonismo dos(as) estudantes e co-criação na formulação dos cursos; vii) preocupação com bem-estar e equidade; e viii) novo papel da tecnologia.
Tais tendências podem ensejar oportunidades para remodelar as instituições brasileiras, mas também desafios regulatórios. Estaria o nosso sistema preparado para abarcar flexibilidade de currículos? A legislação consegue regular a incorporação da tecnologia e oferecimento de cursos na modalidade híbrida?
Diante dessas e de outras dúvidas, surgiu a curiosidade de verificar, de maneira exploratória, como o nosso Poder Legislativo apreciou as problemáticas do Ensino Superior ao longo da pandemia, em especial para considerar o fortalecimento do discurso sobre ensino híbrido, e como os eventuais projetos de lei encontrados poderiam impactar as escolhas institucionais, se relacionando ou não com as tendências identificadas.
Em se tratando de objetivo secundário do projeto, contudo, o interesse primordial era identificar possíveis projetos de lei, medidas provisórias ou emendas constitucionais com movimentação mais intensa, sem que para isso fosse despendido grande volume de tempo e de recursos humanos. Para tanto, a parceria com a plataforma Sigalei foi essencial para que pudéssemos compilar os dados de maneira rápida e organizada. Este breve artigo, portanto, descreve este exercício inicial com a plataforma, buscando verificar possibilidades de utilização e subsídios para os projetos de ensino do CEPI.
Uma das principais tendências identificadas no levantamento bibliográfico e nos formulários aplicados a instituições de ensino superior da América Latina foi o “novo papel da tecnologia”, com a especial menção ao “ensino híbrido”, que consiste em pensar o ambiente de ensino online de forma integrada ao ambiente presencial[1]. Por conta disso, na exploração da plataforma usamos como termos de busca por proposições as palavras-chave “ensino superior” OU “ensino híbrido”, o que resultou em 9.099 resultados.
Considerando o escopo do projeto, optou-se por investigar eventuais proposições apresentadas durante o período de pandemia, momento em que houve grandes alterações nas formas de ensinar com a transferência para o ensino remoto emergencial. Assim, foi aplicado no filtro “data de apresentação” o recorte temporal entre 15 de março de 2020 a 31 de agosto de 2021, por compreendermos que os projetos apresentados nesse período teriam maior potencial em indicar diretrizes que influenciaram no curto e médio prazo no posicionamento de instituições de ensino, o que levou a redução para 1.321 resultados.
Tal número foi novamente filtrado a partir da seleção das “casas legislativas” na plataforma. Isso porque, conforme art. 22, XXIV, da Constituição Federal de 1988, a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação é privativa da União, devendo os Estados e Municípios centrarem seus esforços prioritariamente na educação básica (art. 211, §§ 2º e 3º). Assim, diante da função redistributiva e supletiva da União em todos os níveis (art. 211, §1º), cumpre a ela normatizar o ensino superior. Fizemos, então, a seleção apenas da Câmara dos Deputados (CD), do Senado Federal (SF) e do Congresso Nacional (CN), o que resultou em 941 resultados.
A plataforma possibilita, também, a filtragem pelo tipo de item, o que permitiu a seleção apenas dos Projetos de Lei Ordinária, Medida Provisória e Proposta de Emenda à Constituição, que no período representavam 201 resultados.
Diferentemente dos sites das próprias casas legislativas, a plataforma possui ferramentas de insight, entre elas uma análise de “Temperatura” que, de acordo com os desenvolvedores, consiste na “velocidade de tramitação de uma proposição, logo, se ela tem uma temperatura mais alta significa que ela tramita de forma mais rápida”, o que pode, a princípio, apontar para proposições que foram mais destacadas ou visadas no período. Aplicando este filtro, com exclusão das propostas que tramitaram com temperatura zero, isto é, sem qualquer diferenciação de celeridade em comparação com as demais do mesmo tipo, chegamos a doze proposições, extraídas em 10 de setembro de 2021, que passamos a analisar.
A partir da organização das proposições em razão da maior temperatura para menor, temos os seguintes projetos:
A partir da leitura das ementas e do inteiro teor das doze proposições, foi interessante identificar temáticas relacionadas às tendências do ensino superior jurídico, tais como sustentabilidade — em especial financeira para estudantes e instituições -, bem-estar e equidade, bem como democratização do ensino superior, com previsão de trancamento de matrícula gratuito, oferecimento de bolsas de estudo, inclusão e permanência de grupos minoritários, por exemplo.
Chamou a atenção, no entanto, a ausência de projetos relacionados à incorporação de novas tecnologias e ao ensino remoto emergencial, objeto de grande atenção na bibliografia e nas manifestações das instituições.
Importante ressaltar, contudo, que a filtragem por temperatura traz resultados diferenciados ao longo do tempo, sendo necessário atenção por parte dos(as) pesquisadores(as) e dos demais utilizadores da plataforma, para indicar a data específica da coleta das informações. Como exemplo, em planilha extraída em 27 de setembro de 2021, dos dez resultados supra indicados como temperatura diferente de zero, apenas três mantinham essa característica — CD PL 504/2021 (temperatura 7,4), CD PL 2681/2021 (temperatura 5,6) e CD PL 2105/2020 (temperatura 3,3), o que sinaliza para o fato de que as proposições analisadas não são, necessariamente, representativas de todo o período pandêmico.
Ademais, é necessário ressalvar que a celeridade da tramitação nem sempre será relacionada à importância da matéria, na medida em que grandes temas podem ensejar maiores discussões e retardar a aprovação dos projetos, refletindo em uma menor “temperatura” no contexto da plataforma.
Apesar disso, de maneira muito eficiente, foi possível identificar destaques legislativos em âmbito nacional que se relacionam com as tendências que identificamos no projeto, agregando subsídios para o nosso relatório, que não seriam possíveis pelas vias primárias de informação, como os sites das casas legislativas.
A linha de pesquisa “Ensino Jurídico” abrange uma série de projetos diferentes. No presente caso, o enfoque adotado foi a análise bibliográfica de tendências e mapeamento das iniciativas adotadas por instituições de ensino superior no Brasil e no mundo, diante das mudanças para o ensino trazidas pela pandemia de COVID-19 e para o futuro incerto que se vislumbra nos próximos anos.
Ainda que a análise do panorama legislativo e regulatório não consistisse no ponto central do projeto, restou evidente a utilidade da plataforma Sigalei para subsidiar as discussões e sua potencialidade para futuros projetos de ensino, em especial para aqueles que tiverem como objetivo diagnosticar políticas públicas e regulação do setor.
Para possibilitar o exercício apresentado, utilizamos na busca avançada da plataforma os filtros de “data de apresentação”, “casas legislativas”, “tipo do item”, aliados à funcionalidade especial “temperatura”, que integra o rol de insights oferecidos aos usuários da plataforma. Isso permitiu a redução amostral de 9.099 para 12 resultados, a serem analisados qualitativamente.
A possibilidade oferecida pelo site de exportar planilha organizada com todos os itens facilitou o mapeamento e a visualização das temáticas, evitando o trabalho manual de catalogar os projetos e possibilitando a filtragem rápida dos indicadores relevantes para a pesquisa, no caso, especialmente, os valores de “temperatura”.
Além das utilidades mencionadas no presente artigo, verificou-se que a plataforma conta com diversas ferramentas, algumas delas já apresentadas em artigos anteriores, mas restam ainda outras potencialidades a serem exploradas, tais como: i) mapeamento de stakeholders, que se mostra útil na predição do comportamento dos parlamentares, a partir de seu histórico de votações; e ii) acompanhamento automatizado do Diário Oficial da União (DOU), que poderá auxiliar na verificação de portarias, decretos e demais atos do Poder Executivo, relevantes na temática da educação e da regulação do ensino.
Portanto, diante de um futuro incerto, agravado pelos desafios trazidos pela pandemia, soluções como a Sigalei são importantes aliadas para que organizações, pesquisadores e centros de ensino possam automatizar a coleta de dados e insights, dedicando seus esforços na análise crítica e nas considerações qualificadas sobre as informações identificadas.
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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou as instituições parceiras.
Este artigo foi escrito por:
Enya Carolina Silva da Costa — Pesquisadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI FGV Direito SP). Mestranda em Direito do Estado e graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (2020). Cofundadora e coordenadora do grupo de pesquisa Observatório do Direito à Educação e da atividade de extensão Clínica de Direitos da Criança e do Adolescente da Faculdade de Direito da USP (FDUSP). Integra o projeto de extensão Direito, Discriminação e Diversidade na USP. Desenvolve pesquisas nas áreas de Direito Constitucional, Direito à Educação, Acesso à Justiça, Direito e Discriminação, Ensino Jurídico e Direitos Humanos.