O conceito de Heurística da Disponibilidade é familiar para você? O CEO da Sigalei, Frederico Oliveira, detalha este conceito, a partir da análise do livro "Rápido e devagar: duas formas de pensar", e explica como isso pode fazer diferença para os profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG). Acesse o artigo e saiba mais!
ocê está visitando uma cidade pela primeira vez, e planeja um passeio noturno para conhecer as atrações turísticas. Um pouco antes de sair, alguém fala que andar na rua à noite é perigoso. Você liga a televisão e assisti ao noticiário policial mostrando crimes bárbaros que ocorreram na cidade. Qual é o seu sentimento antes de sair? Se você pensou no medo, sua mente acabou de calcular, automaticamente, a probabilidade de você ser vítima de um crime ao sair do hotel, e sugere ao seu consciente, por meio das emoções a seguinte mensagem: ALTA, RISCO DE VIDA. NÃO SAIA DO HOTEL!
À primeira vista, a pequena história apresentada acima parece trivial e nada se relaciona com relações governamentais e institucionais e políticas públicas. Para tanto, convido vocês à uma análise detalhada do fenômeno que ocorreu na sua mente quando você leu a história e como esse mesmo gatilho pode ser responsável pelas grandes crises institucionais.
Quando nossos antepassados viviam em savanas e a vida era mais previsível, desenvolvemos um mecanismo intuitivo em nosso cérebro para calcular a probabilidade de riscos denominado de Heurística de Disponibilidade, cujo fenômeno foi descrito pelos pesquisadores e psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman.
A Heurística da Disponibilidade é um algoritmo que nossas mentes usa para extrapolar a probabilidade de um evento baseado na capacidade e/ou facilidade de nos lembrarmos de situações similares que vivenciamos no passado, seja real ou não. Por exemplo, antes de você sair do hotel, o simples fato de ser muito fácil lembrar-se das informações relacionadas a eventos criminosos que ocorrem na cidade fez você sentir que o perigo está na esquina, desconsiderando qualquer fato concreto ou estatística sobre a real criminalidade local, e, muito provavelmente, você não teve um impulso emocional e intuitivo de fazer uma ampla pesquisa antes de sentir a emoção do medo. E agora vem a pergunta central:
Quem disse que a intensidade do medo que você sentiu se correlaciona com as estatísticas reais de criminalidade?
Em um mundo linear, é um algoritmo simples, rápido e nos mantém longe do perigo. Contudo, nos tempos em que vivemos, a intensidade de um sentimento de perigo pouco se correlaciona com o que acontece ao nosso redor.
Agora eu quero convidá-lo a continuar a história acima. Imagina que a reportagem que você assistiu era sobre um brutal assassinato ocorrido no bairro, e que a pessoa que te falou que era perigoso fazer passeios noturnos viu a mesma reportagem, porém em outro canal, e todos no hotel comentavam do mesmo crime bárbaro, mas sem explicitar que falavam da mesma fonte.
A sensação generalizada naquele momento não é nada mais que a generalização da Heurística da Disponibilidade, denominada de Cascata de Disponibilidade. Isto é, um grupo de pessoas passa a compartilhar a mesma sensação de risco e passa a se comportar de forma semelhante. E neste ponto que temos nossa primeira conclusão prática para os profissionais de relações governamentais e institucionais:
“Toda estratégia de comunicação precisa levar em consideração a Heurística da Disponibilidade e seu efeito cascata. Ela é uma variável poderosa que influencia fortemente a opinião pública, assim como a gravidade nos mantém no chão. Lutar contra ela é uma batalha perdida. O profissional de relações governamentais e institucionais precisam construir estratégias levando em consideração que as pessoas vão agir de forma irracional perante ameaças percebidas, sejam reais ou não.”
Voltando a nossa história inicial, apesar dos riscos percebidos, você resolve fazer seu passeio noturno, desafiando seu medo pois você notou que seria uma atitude irracional permanecer no hotel. O que aconteceu na sua mente quando você toma a decisão de ir contra sua intuição?
A parte consciente da sua mente fez uma análise racional e se sobrepôs à decisão automática, pois ela foi capaz de detectar falhas no cálculo da probabilidade pois a fonte das informações não eram confiáveis. Contudo, porque você se deu a todo esse trabalho mental, sendo que era muito menos custoso permanecer no hotel, seguindo as orientações do seu subconsciente? Pois gastar energia mental era um preço pagável para uma noite de diversão, portanto, é um trade-off aceitável. Neste ponto, Daniel Kahneman nos trás o segundo insight:
“As pessoas, em nível individual, conseguem contrapor a Heurística da Disponibilidade, mas isso exige um gasto de energia da nossa preguiçosa mente. Portanto, precisa haver uma recompensa que vale a pena o esforço de ignorar aos impulsos gerados pelo sistema automático. Portanto, qual é relação entre esforço e recompensa quando uma determinada pessoa recebe uma mensagem falsa sobre um potencial perigo de um produto da sua empresa para checar a veracidade antes de compartilhar em grupo de familiares? Isto é, não conte que 100% das pessoas vão fazer verificação dos fatos em sua estratégia, mesmo elas sendo altamente educadas.”
Continuando nossa história, vamos imaginar que esse crime bárbaro gerou tanta atenção da mídia nacional, que ela faça reportagens sobre o quão violento é aquela cidade em que você se encontrava, e que, por sua vez, os consumidores das notícias, pelo simples fato de serem bombardeados com essa notícias (que podem ser verdadeiras), comecem a sentir que a cidade é perigosa simplesmente porque é muito fácil se lembrar de tantas notícias relacionadas, estimulando a mídia a produzir mais conteúdos até isso gerar uma mobilização dos reguladores e legisladores, pois, a violência, talvez localizada virou assunto de interesse da sua constituinte. E aqui chegamos ao nosso terceiro insight:
“A Heurística da Disponibilidade encontra seu efeito pronunciado sobre um grupo de pessoas quando os meios de comunicação passam a replicar, de forma sistemática, notícias do mesmo evento. Consequentemente, eventos de menor risco podem ser percebidos como potencialmente mais perigosos pelo simples reforço dos meios de comunicação, causando medo ou pânico. Legisladores e reguladores, sensibilizados pela reação das suas constituintes passam a formular política públicas em torno deste medo generalizado. Portanto, a conscientização dos tomadores de decisão sobre os efeitos da Heurística da Disponibilidade é de suma importância para a construção de melhores políticas públicas, tanto para identificação de riscos ignorados quanto para endereçar os medos coletivos de forma eficaz.”
Consequentemente, não é difícil encontrar casos onde a Heurística da Disponibilidade foi a causadora de crises. Daniel Kahneman, em seu livro Rápido e devagar: Duas formas de pensar cita o caso do Pânico de Alar, em que a propagação da mídia de informações não verdadeiras ou imprecisas sobre a substância Daminozide, comercialmente conhecida como Alar, utilizada em plantações de maçãs foi alvo negativo da opinião pública, gerando prejuízo para o setor em mais de US$ 100 Milhões.
Outro exemplo icônico é o o caso da escola Base, em que a mídia e opinião pública teve o comportamento clássico descrito pela Cascata de Disponibilidade. Vale ressaltar que esse artigo não tem a intenção de apontar culpa a responsáveis pelos ocorridos, e sim evidenciar os fenômenos psicológicos por trás das crises citadas, visto que todos nós estamos dispostos aos mesmos vieses. Tomar consciência deles é bem melhor do que cair em armadilhas que possam minar nosso caminho. Deixo abaixo sugestões de leituras. E até a próxima.
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Referências Bibliográficas:
Rápido e devagar: Duas formas de pensar
https://www.amazon.com.br/R%C3%A1pido-devagar-Duas-formas-pensar-ebook/dp/B00A3D1A44
Pânico de Alar
https://www.pbs.org/tradesecrets/docs/alarscarenegin.html
https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1994-09-12-mn-37733-story.html
https://www.nytimes.com/1991/07/09/us/apple-growers-bruised-and-bitter-after-alar-scare.html
Relato da Escola Base:
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Nota do editor
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