A parceria entre Sigalei e CEPI-FGV já completou 1 ano! Confira o artigo escrito por Mariana Chaimovich e sua reflexão sobre como a conexão entre empresas e academia impulsionam o lobby e qualificam o debate em torno de políticas públicas.
ste artigo encerra o primeiro ciclo de uma parceria de sucesso entre o Centro de Pesquisa em Ensino e Inovação (CEPI-FGV) e a Sigalei.
Justamente por ser o último artigo desta primeira e muito bem-sucedida etapa da parceria, que completa um ano, nada mais justo do que tratar de algo que motiva a atuação institucional tanto do CEPI quanto da Sigalei: o aprimoramento de políticas públicas e a qualificação do debate no âmbito da sociedade civil. Particularmente, por intermédio da representação privada de interesses, relações governamentais ou, simplesmente, lobby.
Mas, antes, vamos relembrar um pouco os temas que já foram discutidos no contexto desta parceria. A abordagem de temáticas relevantes no âmbito nacional pode ser verificada pela diversidade de temas e de esferas dos Poderes estudados e avaliados: temos desde mapeamentos a respeito de proposições sobre telemedicina, com destaques do debate legislativo federal; passando por projetos de lei sobre criptomoedas e criptoativos e as dificuldades do monitoramento legislativo e regulatório no Brasil. Pesquisou-se, também, a discussão sobre as diversas facetas da gig economy no Poder Legislativo da cidade de São Paulo; além de destaques em âmbito nacional de proposições sobre ensino superior. Foram feitas pesquisas sobre de que maneira compreender o combate ao discurso de ódio no Brasil; sobre mapeamento e acompanhamento do contexto de reforma da Lei de Direitos Autorais e sobre a temática de saúde e inovação, ou “e-health”. Finalmente, foram abordados projetos que pretendem alterar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e que tratam de Algoritmos e Inteligência Artificial na Câmara e no Senado. Ufa!
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A ideia de elaborar um artigo sobre lobby representa a intenção de comunicar todas essas contribuições da maneira mais transparente possível. Em um país no qual o lobby é regulamentado, o objetivo final da regulamentação é, justamente, tornar essa comunicação aberta aos interessados, para que haja paridade e simetria de informações, para que se saiba quem disse o que para quem e quando. Discute-se, porém, se iniciativas nesse sentido realmente fomentam o aumento da transparência, ou apenas impõem mais empecilhos e burocracia para a comunicação entre atores públicos e privados. Veremos, adiante, quais proposições tramitam, hoje (maio/2022), no Poder Legislativo Federal e tratam do tema.
A pesquisa foi feita no início de maio/2022, com o termo “lobby” em projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados (CD) e no Senado Federal (SF). Trouxe 26 (vinte e seis) resultados, dos quais 21 (vinte e um) foram descartados por apenas trazerem o termo “lobby” incidentalmente, ou seja, não terem como objetivo a regulamentação da atividade, apenas a mencionarem na justificativa, ao tratar do tema específico em pauta.
Restaram, portanto, 5 (cinco) proposições, cujas ementas seguem abaixo e são dispostas em ordem de apresentação:
Todas as proposições apresentadas acima tratavam do tema, em diferentes medidas e com abordagens próprias. Será analisado, nesta oportunidade, exclusivamente o PL 4391/2021, por ser a única proposição com pontuação no radar Sigalei de temperatura (com 8.8 pontos, enquanto todos os outros possuíam zero). Isso significa que essa proposição, até o momento, tramitou mais rápido do que 88% de todas as proposições do mesmo tipo da mesma Casa legislativa, consideradas as proposições em tramitação durante os últimos 90 dias. O radar de temperatura é uma ferramenta que permite ao usuário aferir as movimentações mais recentes de determinado projeto, o que possibilita focar as atenções – e os eventuais esforços na interlocução com parlamentares – em PLs com movimentações mais recentes. Trata-se de mais uma importante contribuição da Sigalei para a atividade de nós, lobistas.
O projeto, de autoria do Poder Executivo, tem como objetivo, de acordo com sua Justificativa, dispor sobre:
A própria justificativa do PL menciona o fato de que a minuta de projeto é resultado de esforço da Controladoria-Geral da União (CGU), que partiu da avaliação do Substitutivo apresentado em 2018 pela Deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) ao PL 1202/2007, acima mencionado. Ainda de acordo com a Justificativa, os integrantes da CGU estudaram as melhores práticas na regulamentação da representação privada de interesses (ou lobby) ao redor do mundo, e a proposição em análise seria resultado direto desse esforço. O objetivo seria tornar mais clara a representação privada de interesses, permitindo maior efetividade na repressão às condutas reprováveis[1].
O PL 4391/2021 está estruturado da seguinte maneira:
A proposta considera representação privada de interesses a interação entre agente privado e agente público com o objetivo de influenciar o processo decisório ou a tomada de decisões no âmbito da administração pública, como na formulação de uma política pública, ou na elaboração de ato normativo, como portaria ou decreto. Esse representante de interesses, ou lobista, pode ser qualquer cidadão (pessoa física) ou empresa (pessoa jurídica) dedicada a essa atividade, seja em nome próprio ou de terceiros, mediante remuneração ou não.
A transparência dessas interlocuções adviria, entre outros motivos, das disposições da proposição a respeito dos encontros, ou audiências, com os chamados lobistas. Estas devem ser divulgadas, bem como publicadas informações sobre audiências com Ministros de Estado, servidores do alto escalão e congressistas. Importante ressaltar que, de acordo com a proposta, caberia aos Estados, DF e municípios definir regras específicas sobre a divulgação de informações das reuniões, desde que respeitadas as regras gerais estabelecidas na (eventual) Lei federal. A agenda publicada deverá identificar não apenas o lobista e os seus clientes, mas também o interesse em pauta, que será discutido na ocasião.
Importante salientar que a possibilidade de regulamentação por parte de Estados, DF e municípios pode dar margem a uma miríade de regulamentações que possivelmente prejudicariam exatamente aquilo que o Projeto pretende regulamentar. É um ponto de atenção a ter em relação à proposta atual.
Este era, em síntese, o objetivo deste artigo: apresentar o panorama do projeto de lei mais recente a respeito da representação privada de interesses, ou “lobby”. Não sabemos se a proposta será aprovada exatamente da maneira como foi proposta, ou se será objeto de emendas ou até mesmo substitutivo, mas sabemos que a intenção de regulamentar a prática já é discutida em ambas as Casas do Congresso Nacional desde a década de 1990. Esperamos que, ao regulamentar essa interação entre o Poder Público e os atores privados, a proposta alcance o que se propõe a fazer: dar mais transparência à troca de informações, diminuir as assimetrias informacionais e tornar a disseminação de dados mais acessível. Ao acompanharmos essa discussão, integro o rol de profissionais que almeja que nossa atuação seja considerada fortalecedora da democracia, justamente por representar e apresentar perspectivas distintas, por construir pontes e por promover o diálogo[2].
Não poderia encerrar esta contribuição sem os devidos agradecimentos aos times CEPI e Sigalei. Meus agradecimentos especiais para toda a equipe da Sigalei, nas pessoas de Ivan Ervolino e de Nayara Cortez, extremamente atenciosos durante todo este processo, sempre lendo os textos com cuidado, discutindo sugestões e auxiliando as pesquisadoras e os pesquisadores a sanar todas as dúvidas em relação à plataforma. Meus agradecimentos para toda a equipe do CEPI, e nominalmente para as autoras e os autores dos artigos, em ordem alfabética: Alice C. Gonçalves; Ana Carolina R. Dias Silveira; Ana Paula Camelo; Bruno Ett Bícego; Enya Carolina Silva da Costa; Fabrício Vasconcelos Gomes; Guilherme Forma Klafke; João Pedro Favaretto Salvador; Laurianne-Marie Schippers; Maria Eduarda Freire; Tatiane Guimarães e Victor Doering Xavier da Silveira.
O próximo ciclo vai apresentar relatórios que utilizam a plataforma no contexto de projetos mais amplos do CEPI. Teremos contribuições robustas com periodicidade trimestral, com a participação de equipes que lidam com diferentes projetos do Centro. E que venham as próximas contribuições para o debate!
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Este artigo foi escrito por Mariana Chaimovich — advogada, doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e mestre em Direito Internacional pela USP. Atua como consultora de relações governamentais.
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Referências no texto:
[1] Informação disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/863642-projeto-do-governo-regulamenta-atividade-de-lobby-no-brasil/
[2] Esta percepção é exclusiva desta que vos escreve, e não pode ser considerada uma manifestação institucional nem do CEPI, nem da Sigalei.