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O Direito Autoral no Legislativo: a evolução da metodologia de mapeamento de Projetos de Lei

Artigo em parceria com o CEPI-FGV com relatos do mapeamento e monitoramento realizado pelos pesquisadores utilizando a plataforma Sigalei em pesquisa que acompanha e estuda a temática de Direitos Autorais no legislativo.

Publicado em:
1/7/2021
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este artigo, os pesquisadores do CEPI-FGV falam sobre as potencialidades do uso da plataforma Sigalei para o mapeamento e acompanhamento do contexto de reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98, “LDA”). Serão explicados os desafios com os quais se depararam antes do uso da plataforma para esta pesquisa e vão mostrar como este tipo de plataforma indica um futuro promissor para quem pesquisa empiricamente o Direito (e áreas afins).

O CEPI está, há cerca de um ano, desenvolvendo a pesquisa “Reforma no Direito do Autor na Era Digital”. Dentre os produtos imaginados no início do projeto, planejamos publicar um mapeamento e análise do histórico de tentativas de reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98, “LDA”), olhando para os Projetos de Lei do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ao longo dos anos. Este produto foi pensado como ponto de partida da nossa pesquisa central, que tem como foco o contexto mais recente de reforma brasileira da legislação autoral. Na época, a parceria com a plataforma Sigalei ainda não havia sido formada, então, a nossa saída foi fazer uma tentativa desse mapeamento de forma não automatizada.

Nos deparamos, desde cedo, com desafios que nos fizeram deixar este produto imaginado de lado, pela ausência de fôlego da equipe para conseguir concluir este produto de maneira metodologicamente correta e em tempo hábil. A nossa tentativa inicial de mapeamento está detalhada a seguir, em um passo-a-passo que mostra os nossos desafios e as nossas tentativas de superá-los:

(i) Tivemos que fazer uma busca em diferentes sites — Câmara dos Deputados e Senado — e, devido à natureza do processo legislativo, encontramos projetos repetidos em ambas as plataformas;

(ii) A filtragem oferecida pelos próprios os sites não foi suficiente para delimitar os PLs que diziam respeito à alteração da LDA. Tivemos que fazer, então, uma filtragem olhando brevemente a ementa de cada um dos PLs e verificando se o PL realmente pretendia alterar a LDA. Com isso, filtramos os mais de 500 PLs encontrados nos dois sites e chegamos a pouco mais de 200. Interessante ressaltar, aqui, que um ponto relevante de pesquisas como esta, de mapeamento de projetos de lei, é verificar, por exemplo, o número absoluto de proposições que visam a alterar certa Lei frente ao número de projetos que visam a alterar certa temática constante na mesma Lei. Por isso, não foi feita a procura inicial já com o recorte para as temáticas que visamos analisar;

(iii) Não havia maneira de consolidar os PLs encontrados de forma automática em um arquivo Excel. Então, construímos uma tabela de mais de 200 PLs, com todas as informações detalhadas em colunas, de forma manual, resultando em documento Excel de mais de 1600 células;

(iv) Como a pesquisa visou a levantar os PLs totais de alteração da LDA, quando percebemos o número de PLs que precisaríamos analisar para fazer a filtragem para as nossas temáticas, decidimos pausar nossos esforços para o desenvolvimento deste produto, já que este era pensado originalmente como um ‘plus’ do projeto.

O plano era, em momento posterior, refazer a pesquisa já com o recorte para a nossa temática e verificar se todos os resultados já filtrados pelos sites da Câmara dos Deputados e Senado constavam nessa lista de mais de 200 PLs. No entanto, antes que chegássemos a esse ponto do projeto, a parceira com a Sigalei veio e nossa vida ficou mais fácil!

O uso da plataforma Sigalei e os resultados do mapeamento

Com a chegada da parceria com a plataforma Sigalei foi possível realizar esse mapeamento pretendido de forma muito mais fácil, direta e sem grandes esforços. No campo de Projetos de Lei, a discussão sobre Direitos Autorais não é a mais em voga atualmente, mas, com ajuda da ferramenta e de seu mecanismo de transferência dos resultados diretamente para planilha Excel, foi possível realizar um bom mapeamento do que se tem em torno da matéria dentro do enfoque deste núcleo de pesquisa em reforma da Lei dos Direitos Atuais, tendo em vista a realidade digital.

Primeiramente, fizemos a mesma pesquisa feita nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado, procurando o número total de PLs que visavam a alterar a LDA, apenas para fins de comparação com a pesquisa feita anteriormente. Foram encontrados 290 PLs, número maior do que a filtragem feita manualmente meses antes.

Partimos, então, para uma busca a partir da combinação de termos “‘Lei nº 9.610’ E ‘Internet’”, obtendo o resultado de 29 Projetos de Lei (PLs), para verificarmos os PLs teoricamente mais significativos para o nosso mapeamento. No entanto, notamos a presença de resultados dissonantes ao enfoque da pesquisa por conta do termo ‘Internet’ — notório nos projetos no sentido do cenário pandêmico e tramitações que tangem ao campo — junto ao número ‘9.610’ descontextualizado e a palavra ‘lei’ solta. Surgiram resultados referentes a assuntos diversos como Lei Orçamentária, alteração da Lei de Proteção de Cultivares (referente a sementes), Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, registro de instituições religiosas, dentre outros.

Então, com a utilização dos termos ‘direitos autorais’ E ‘9.610’ E ‘internet’, chegamos ao total de 20 projetos; sendo que todos estes estão contidos no resultado anterior, sendo eliminados os referidos PLs contrastantes ao tema. A partir da tabela automaticamente gerada pela plataforma, utilizamos os filtros informativos para elencar: Nome; ementa; status; temperatura (medidor da plataforma para aferir a velocidade de tramitação de uma proposição); regime de tramitação; órgão de apreciação; principal autor, seu partido e estado; data da última atualização; tipo; número; ano; local; atual relator, seu partido e estado; etapas; tempo de tramitação em dias; e link para acesso. É possível, ainda, escolher por outras informações que julgamos não serem necessárias à nossa pesquisa no presente momento.

Constatamos, assim, que, dentre os resultados, a maioria das ações é ordinária e de apreciação do Plenário, sem repetição de autores — salvo dois projetos de autoria de Rômulo Gouveia do PSD-PB. A variedade partidária nas proposições também se viu presente no resultado, assim como a de estados, estando presentes como partidos do principal autor: PT, PSD, PSB, PMDB, MDB, PSL, PSDB, PROS, PCDOB, AVANTE, PP, além de casos “sem partido”; e como estados: Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso, Alagoas, Minas Gerais e Paraná, assim como aqueles sem estado definido.

Além disso, há um intervalo de quase 16 anos entre a última atualização do projeto mais recente e do atualizado há mais tempo. Apenas 4 deles foram aprovados, sendo que 5 estão em tramitação, 6 não têm informação disponível e 5 foram arquivados. No entanto, manualmente, reviu-se que alguns dos resultados também não se fizeram relevantes perante o enfoque de reforma da LDA; como exemplos que tratam de: autorização a concessão de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de programas de formação inicial e continuada de professores para a educação básica[1]; alteração da Lei de Proteção de Cultivares[2], dentre outros.

Diante deste entrave, optamos por utilizar as palavras-chave “‘direitos autorais’ E ‘9.610’ E ‘digital’”. O número de resultados obtidos caiu para 18 projetos. No entanto, a intersecção entre o anterior somente abrangeu 6 destes. Os outros 12 resultados contiveram 4 emendas ao CD PL 1513/2011, que trata sobre a política de contratação e licenciamento de obras intelectuais subvencionadas pelos entes do Poder Público e pelos entes de Direito Privado sob controle acionário de entes da administração pública[3]; 2 apensadas de um projeto com status e emenda indisponíveis; e outros projetos que variam entre temas mais estritos a Direitos Autorais, em sua maioria em referência à LDA. Apenas 1 PLs dos 6 que se interseccionam destoa, sendo sua pauta a da concessão de bolsas de estudo supracitada.

Sendo assim, à luz dos 3 que foram aprovados nesta última busca (sem considerar os resultados em que esta informação não está disponível), notamos em seus temas uma confluência de caráter administrativo e não essencialmente modificativo à LDA. Isso demonstra maior entrave para a aprovação de projetos que propõem alteração direta à Lei de Direitos Autorais, a despeito da diferença de anos em que estes que foram aprovados e tão antigos quanto que continuam tramitando. A essência da motivação dos projetos é, no geral, a regulação do espaço digital, que, de fato, carece de dispositivos atualizados capazes de cumprir com as demandas atuais das relações via internet que envolvem direitos autorais, tanto morais como patrimoniais. No entanto, essa essência se destrincha em temas bastante diversos nos projetos, que perpassam desde Cinema, tributação e procedimentos administrativos à regulação do “trabalho docente na oferta de atividades não presenciais e na utilização de plataformas digitais no sistema estadual de ensino”[4].

Portanto, com a consulta feita pela plataforma Sigalei, mesmo com diversos facilitadores como os mecanismos da ferramenta acima mencionados, que já provêm uma boa seleção de PLs, ainda é necessária uma filtragem manual, para refinar o conteúdo buscado.

Em suma, qual a diferença entre usar a Sigalei e outro mecanismo de pesquisa?

Até este ponto, percebe-se que a Sigalei é capaz de proporcionar àquele que a utiliza um melhor gerenciamento do tempo de pesquisa. Em outras palavras, em razão das funcionalidades dispostas, torna-se possível diminuir a carga de trabalhos meramente manuais, que, muitas vezes, nos tomam longos períodos durante as pesquisas.

Em casos em que seja necessário monitorar determinados temas, é possível não apenas alcançar o conteúdo legislativo desejado, mas também organizá-lo de acordo com a relevância das informações para a pesquisa. Neste contexto, é possível, por exemplo, criar “alertas” para acompanhar quais deputados estão propondo reformas ou novos Projetos de Lei.

Assim, o processo de análise, em especial, quanto à identificação de padrões, se torna mais funcional e objetivo. Este processo possibilita, ainda, que os materiais localizados e dados analisados possam ser compartilhados com todos os integrantes da pesquisa.

No caso do presente projeto, “Reforma da Lei de Direito do Autor na Era Digital”, até então, não possuímos como foco mensurar riscos políticos ou regulatórios especificamente, mas realizar um extenso mapeamento. Neste cenário, o uso da plataforma proporcionou que o objetivo fosse atingido de maneira precisa e com mais rapidez. Isto ocorre, em especial, porque a plataforma possibilita que, após determinar as categorias de pesquisa desejadas a partir do uso de palavras-chave, os dados possam ser diretamente direcionados para o formato XLSX, um documento do Excel. Todas as informações são devidamente categorizadas, automatizando um processo antes trabalhosamente manual.

Essas ferramentas, de fato, buscam fornecer soluções de inteligência política e regulatória, mantendo as pesquisas o mais fiel metodologicamente possível. Contudo, é inevitável compreender que o contexto legislativo — como um todo — não é padronizado; resultando, muitas vezes, em dados imprecisos. Neste cenário, é comum que o próprio parlamentar, ao elaborar uma ementa ou mesmo uma justificativa, não utilize, necessariamente, o nome ou o número da lei de maneira uniforme. Observamos variações entre “Lei de Direitos Autorais”, “Lei do Direito do Autor”, “Lei 9610/98”, “Lei 9.610”, “Lei nº. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998”, dentre outros. Isto é, uma vez que o texto legislativo possui essa característica, o uso de palavras-chaves selecionadas de forma atenta e cuidadosa, inclusive na Sigalei, é indispensável.

A Pesquisa Empírica no Direito: indicativos de um futuro promissor

Fica clara a facilidade, praticidade e rapidez com que é possível fazer esse tipo de pesquisa por meio da plataforma Sigalei. Com ela, foi possível não só fazer uma filtragem automática confiável, mas, também, uma exportação detalhada de todos os PLs encontrados. Foi possível, ainda, realizar uma análise que vai além das informações constantes em cada Projeto de Lei, como, por exemplo, a ‘temperatura’ (velocidade de tramitação) de cada um deles.

A pesquisa empírica em Direito, por analisar dados empíricos, pode se beneficiar muito de ferramentas como a Sigalei. Estamos em um momento do desenvolvimento tecnológico em que construir tabelas com mais de 1000 células manualmente já é ultrapassado. O uso de ferramentas como essa, que dão mais velocidade ao levantamento de dados, nos auxilia a acompanhar o contexto de discussões no Poder Legislativo e, ainda, nos oferece insights que ultrapassam a mera disponibilização de informações. Essa possibilidade deve ser celebrada como um meio de economizar esforços e focar no que interessa na pesquisa empírica: o diagnóstico, a análise e a construção de conclusões com base em dados.

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[1] PL 5463/2005

[2] PL 827/2015

[3] PL 1513/2011

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou as instituições parceiras.

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Este artigo foi escrito por:

Tatiane Guimarães — Pesquisadora no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP. Mestranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP. Agraciada com a Bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade de São Paulo — PUC-SP. Atualmente, desenvolve pesquisa nas áreas de Direitos Humanos Digitais, Direito Autoral e Ensino Jurídico. Contato: tatiane.guimaraes@fgv.br

Alice C. Gonçalves — Estagiária do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito-SP. Coordenadora fundadora do Grupo de Estudos de Direito do Entretenimento, Mídia e Cultura da FGV. Graduanda em Direito pela mesma instituição.

Maria Eduarda N. Freire — Estagiária do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito-SP. Graduanda em Direito pela mesma instituição.

Victor Doering Xavier da Silveira — Pesquisador e Líder de Projetos do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação. Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e doutorando em Direito pela mesma instituição. Atualmente, desenvolve pesquisas sobre vigilância digital, dados pessoais e direito autoral. Contato: victor.silveira@fgv.br.

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