Brasil é um País com grande tradição regulatória – isso é fato. E quando este assunto vem à tona é muito comum a imagem de uma canetada das autoridades, gerando problemas e oportunidades de forma aleatória. Grandes e pequenos negócios podem ser riscados do mapa dependendo do nível da intervenção. Mas o que a metáfora da caneta esconde é todo o processo por detrás dela. Nenhuma autoridade a tira do bolso e muda toda uma política comercial ou industrial apenas para ver a sua rubrica em um papel.
Ignorar todo o processo anterior que leva à decisão é sim deixar a sua empresa ou instituição à mercê das decisões alheias. Uma lição recorrente dos profissionais de Relações Institucionais e Governamentais é a de que se você não está à mesa, você está no cardápio. O que você prefere?
Antes de sentar-se à mesa, você precisa saber quem estará nela e o que será servido. Neste ponto, a melhor estratégia é MONITORAMENTO. Assim como comentamos na coluna anterior, monitorar as ações do governo é questão de sobrevivência, dado o impacto (positivo ou negativo) que essas ações geram na vida dos cidadãos e das empresas no Brasil.
Mas essa tarefa não é fácil. Um leitor voraz e entendido levaria décadas para acompanhar a quantidade mensal de proposições em todos os poderes e assembleias. A complexidade da tramitação e abrangência territorial das ações governamentais que se traduzem em leis, normas e regras é assustadora.
Por isso, ignorar a tecnologia que pode ajudar nesta triagem é se manter em permanente estado de vulnerabilidade. Hoje em dia, devido às TIC´s, o acesso à informação é rápido e bastante simples. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal nos permitem saber quantas e quais são as proposições já iniciadas e as que se encontram em tramitação, em tempo real.
Por exemplo, uma pesquisa rápida sobre o tema TRANSPORTE no site da Câmara dos Deputados gera números superlativos. Entre Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Projetos de Lei Complementar (PLC), Projetos de Lei (PL) e Medidas Provisórias (MP) foram iniciadas 6.985 propostas, em sua grande maioria (6407), projetos de lei. Nos últimos 10 anos, foram apresentadas, em média, 275 proposições ao ano sobre esse tema. Destas proposições 4.497 não estão tramitando e 2.488 estão em tramitação.
Estes números já ajudam a fazer um recorte e a mapear a abrangência do tema, certo? Mas o que eles significam de fato para a tomada de decisão da sua empresa ou instituição? Por enquanto, a informação apresentada acima são algarismos sem aderência à realidade, já que não possui nenhuma utilidade prática para sua organização. Para que seja útil, essa informação precisa ser analisada, a fim de que se possa avaliar se o seu impacto é positivo, constituindo-se em uma oportunidade ou negativo, constituindo-se em risco.
Definir o grau de relevância de determinada proposição e qual a probabilidade de ela efetivamente se transformar em lei é uma das atribuições-chave dos profissionais de relações institucionais e governamentais. Só na Câmara dos Deputados são iniciados mais de 2.000 projetos por ano, o que gera muito trabalho de análise a ser feito.
Mas, como fazer essa análise? Quais os critérios a utilizar? Nesta coluna, quero dividir com vocês algumas dicas práticas e que podem facilitar o árduo trabalho de análise.
Análise de projetos
O primeiro passo da análise é estudar à fundo o conteúdo da proposição para identificar se ela é favorável, contrária ou neutra aos interesses da organização, ou seja, para definir o posicionamento da organização. Mas esta definição não pode ser reduzida a uma decisão apressada e descompromissada, apenas protocolar. Outro ponto é que ela não deve ser feita isoladamente, pois o analista nem sempre conhece todos os pontos de impacto que tal proposição pode trazer aos objetivos da organização. Além disso, a contínua consulta aos pares garante maior engajamento entre os membros da organização.
Após definir o posicionamento criterioso da organização quanto à proposta, o segundo passo é determinar o grau de impacto da proposta para os objetivos da organização. Se a proposta tem um impacto direto nas temáticas ou metas da organização, pode ser definida como de forte impacto. Caso a proposta impacte indiretamente as temáticas ou metas da organização, pode ser definida como de médio impacto. Se o impacto for tangencial, pode ser definida como proposta de fraco impacto.
Já o terceiro passo refere-se à definição do nível de influência do autor da proposição. Para isso, faça um checklist com os seguintes pontos:
Depois de coletar todas essas informações, defina se o nível de influência do parlamentar é alto, médio ou baixo.
Uma obra muito interessante e que pode auxiliar muito nesse curso de análise é a publicação Cabeças do Congresso Nacional do DIAP. Nela, são identificados os 100 parlamentares mais influentes, a partir de uma metodologia inovadora. Essa informação é relevante, pois é sabido que o arranjo institucional do Congresso confere mais poder a certos parlamentares que a outros.
Sendo assim, membros da Mesa Diretora, líderes partidários e presidentes de Comissão são mais influentes, constituindo-se em uma elite parlamentar ou alto clero, como são chamados de maneira coloquial1. Em termos práticos, se a proposição tiver sido proposta por um parlamentar pouco influente a probabilidade de sua aprovação é muito baixa. Dependendo dos objetivos da organização, isso pode ser bom ou ruim.
Janela de oportunidades
Nesta análise, você deve levar em consideração que, apesar da amarração proporcionada por sistemas e processos, as pessoas são essenciais, haja vista que possuem diferentes graus de interesse e engajamento. Por isso, é importante ficar atento às janelas de oportunidade a explorar. Por exemplo, suponha que a organização seja favorável à aprovação de certa proposição, mas o parlamentar que a iniciou é pouco influente, porém fortemente engajado no tema. Como você avaliaria a probabilidade de aprovação? Baixa, certo?
No entanto, leve em consideração que tal parlamentar estará mais aberto a receber o apoio da sua organização. Eis aí uma excelente oportunidade para selar laços de confiança e também para a formulação de agenda de um tema que pode ser, ainda, pouco evidente. Lembre-se, monitoramento legislativo tem uma série de técnicas, mas não é uma ciência exata (ainda bem!).
O quarto passo é determinar a visibilidade da proposta. Nesse momento, o analista precisará contar com toda a ajuda possível para entender:
É preciso realizar uma pesquisa a partir de inúmeras fontes de informação, entre elas: fontes internas (membros da organização) e externas (mídia tradicional e digital); fontes oficiais estatais (ministérios, secretarias, câmaras legislativas, agências reguladoras, tribunais e etc.) e não estatais (partidos políticos, sindicatos, associações, organismos internacionais) e, fontes informais (ativistas) e documentais (artigos e relatórios acadêmicos). Com os dados em mãos, é preciso definir se o tema da proposta está em grande, média ou pequena visibilidade na agenda política e na mídia tradicional e digital.
É bom ter em mente que a tramitação da proposta, independentemente dos interesses em jogo é mais difícil quando o tema está em grande evidência e existem grandes grupos de interesse em lados opostos da proposta. Os debates acerca da Reforma Trabalhista e da Previdência parecem confirmar essa tese.
Uma boa opção para sistematizar todas as informações coletadas, nos quatro passos sugeridos acima é a planilha a seguir. Com ela, você pode começar a estruturar o acompanhamento das proposições que podem impactar a sua empresa ou instituição. Quando este monitoramento é feito de forma assertiva e seguindo as dicas deste artigo, pode ter certeza de que a tão famigerada canetada das autoridades pode até desagradar, mas com certeza não irá surpreender.
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Nota do editor
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