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Os desafios das mulheres de RelGov

Publicado em:
13/8/2018

Um ambiente corporativo. Uma sala lotada de homens. A reunião gira em torno das agenda do dia, do mercado, dos desafios. Vozes uníssonas, ruídos, conversas paralelas. O nome de uma mulher vem à tona – uma cliente, fornecedora ou até mesmo uma chefe não presente. Na sequência, a beleza da mulher citada – ou a falta – vira motivo de comentário. O clima se torna de descontração, menos para a única mulher que está na sala. Ela respira fundo. O seu semblante deixa claro o desconforto com o comentário inapropriado, mas não é hora de comprar briga. Ela sabe que, naquele momento, não valeria a pena. A solução é tentar retomar o foco da reunião. E esperar que um dia o respeito se torne um atributo profissional elementar.

Difícil encontrar uma mulher com um alto cargo que não tenha passado por uma situação como essa ao longo da carreira. O universo corporativo reproduz os mesmos vícios da sociedade em que ele está inserido. Portanto, no Brasil, mesmo com avanços recentes, a igualdade de gênero ainda é um tema mais presente na retórica do que na realidade. Em muitos nichos de mercado, quanto mais elevado o cargo, menor a presença da mulher – embora esse gangorra tenda a se igualar, se a discussão (necessária) sobre o assunto continuar na pauta do dia.

No universo dos profissionais de RelGov, as mulheres enfrentam as mesmas dificuldades do ambiente corporativo no geral. Por muito tempo, havia poucas na área.

“Antigamente, eram mulheres de meia idade muito experientes. Hoje, o perfil é mais variado. Chama a atenção a presença de mulheres na presidência de associações setoriais”, destaca Andréa Gozetto, coordenadora do MBA em Relações Governamentais da FGV/IDE.

Elas ainda são minoria, mas por pouco. Segundo um estudo conduzido pela think tank Pensar RelGov, hoje elas representam 40% dos profissionais. E, ao contrário de outros setores, esse percentual se mantém, seja para os cargos de entrada na carreira quanto para os cargos de gerência e direção. “Um dado interessante é que as mulheres tendem a ter um nível de escolaridade e de capacitação maior do que os homens. Os números preliminares da pesquisa O Perfil do Profissional de Relações Governamentais, que será publicada no fim do ano, mostra que as mulheres têm uma remuneração 3 pontos percentuais menor do que os homens, embora tenham nível de escolaridade 2 pontos percentuais maior”, detalha o founder do Pensar RelGov, Eduardo Galvão.

Quem faz parte desse universo não se surpreende.

“As mulheres que eu conheço da área são muito determinadas, dedicadas e com um perfil analítico. Estão sempre estudando e tem grande capacidade para lidar com vários assuntos ao mesmo tempo”, ressalta a coordenadora de Relações Governamentais da Raízen, Cibele Perillo.

A gerente de Relações Institucionais e Governamentais da Embrapa, Cynthia Cury, reforça que essa busca por qualificação deve fazer parte da rotina profissional.

“Para você executar bem o trabalho de RelGov, não basta um sorriso no rosto. É preciso capacitação, inteligência, análise e conteúdo, para gerar argumentos e subsídios.”

Desafios

Apesar dessa capacidade que se comprava em resultados e entregas, em muitos casos, a impressão é de que o caminho para o reconhecimento sempre é mais longo para a mulher.

“Parece que tudo é mais difícil. A mulher sempre tem que fazer mais, sempre tem que ficar provando a sua competência”, diz Anna Paula Losi, diretora de Public Affairs da Burson-Marsteller.

A ausência de igualdade no reconhecimento não vem de forma direta. As hostilidades são mais sutis e se materializam nas nuances do tratamento ou no viés de uma fala.

“A gente enfrenta algumas desconfianças. Por exemplo, a pessoa não acha que você é a gerente responsável. Se tem um homem, a pessoa se dirige a ele e não a mim. No congresso, a gente precisa tomar um cuidado maior, uma postura séria, para não ser confundida com qualquer outra coisa. Os homens não precisam de um cuidado tão detalhado. Acho que (a dificuldade) não é diferente de outras profissões, por conta do machismo que existe na nossa cultura”, diz Fabíola Nader Motta, gerente de relações institucionais da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

E como romper com esse ciclo, se colocando de maneira firme, sem prejudicar o bom relacionamento – aspecto importante para uma profissional de RelGov?

“O meu conselho é sempre ter uma posição firme e não aceitar não ter sua opinião considerada, não ser escutada por ser mulher. Ter no ambiente corporativo pessoas que possam te apoiar. Eu li um livro algum tempo atrás, Clube de Luta Feminina, que, dentre as dicas, sugere que as mulheres apoiem umas às outras. Essa rede feminina faz uma grande diferença. No entanto, algumas vezes o melhor é ser sarcástica, porque nem sempre a boa educação funciona”, diz Anna Paula Losi.

Outro ponto importante para que a igualdade se torne uma realidade e não apenas um discurso politicamente correto, é o engajamento de todos, como bem resume Cibele Perillo.

“Para que as mulheres tenham mais espaço e para que exista igualdade de fato, é preciso que os homens também se engajem nesta agenda.”

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