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Projetos de Lei que Alteram a LGPD

Levantamento das proposições que alteram a LGPD utilizando a Sigalei para mapear essas proposições e separá-las com base no tipo de mudanças que pretendem trazer à lei em si ou ao posicionamento de seu conteúdo no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, a autora tece breves comentários a respeito das alterações sugeridas que mais se repetiram nos projetos analisados. O objetivo desse levantamento foi formar um núcleo de monitoramento da LGPD para o CEPI, no âmbito da plataforma Sigalei.

Publicado em:
6/5/2021
Q

uais são — e o que pretendem alterar — as proposições que pretendem mudar a LGPD?

Este artigo é o segundo produto da parceria frutífera entre o CEPI e a Sigalei. Foi utilizada a plataforma Sigalei para mapear as proposições com o objetivo de alterar, de alguma maneira, a Lei 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de dados (LGPD). Em seguida, pretendeu-se separar em grupos e categorizar as proposições encontradas com base no tipo de mudanças que pretendessem trazer à lei em si ou ao posicionamento de seu conteúdo no ordenamento jurídico brasileiro, particularmente no caso de Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Finalmente, tecemos breves comentários a respeito das principais alterações sugeridas no grupo de projetos aqui analisado. O intuito desse levantamento foi formar um núcleo de monitoramento da LGPD para o CEPI na plataforma Sigalei.

Sobre o processo de busca

Para isso, foi feita busca na plataforma apenas para proposições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, utilizando como palavras-chave o próprio número da lei e o termo “LGPD”. Foram descartados todos os resultados que, apesar de mencionarem o número da norma ou o termo LGPD, não pretendiam alterar a Lei.[1]

A pesquisa pelo termo “13.709” trouxe 85 Resultados. Deles, foram descartados 66 com base na análise das ementas.[2] Restaram os seguintes 19 projetos, apresentados com as respectivas Ementas:

1. SF PL 870/2021: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para dispor sobre a comercialização, o fornecimento e o compartilhamento de informações de usuários de redes sociais por seus provedores.

2. SF PL 871/2021: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para dispor sobre a elaboração de código de ética entre as regras de boas práticas e de governança dos agentes de tratamento.

3. CD PL 294/2021: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para criar restrições ao uso compartilhado, comunicação, transferência ou difusão de dados pessoais por serviços de mensageria privada.

4. CD PL 500/2021: Altera o art. 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para determinar a postergação, até o dia 1º de janeiro de 2022, das multas administrativas pecuniárias previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

5. CD PL 578/2021: Altera a Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018, que trata da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para implementar a aplicação imediata das penalidades previstas em lei.

6. SF PL 1027/2020: Altera a Lei nº 13.709, de 2018, prorrogando a data da entrada em vigor de dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD — para 16 de fevereiro de 2022.

7. SF PL 1198/2020: Acrescenta parágrafo único ao artigo 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD, para prever prazo de aplicação das sanções previstas na referida Lei, em virtude do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).

8. CD PL 365/2020: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para incluir entidades filantrópicas no rol de exceções à aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e estabelecer limite à aplicação de multa a essas entidades.

9. CD PL 3044/2020: Altera a Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), e a Lei Nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), com a finalidade de estabelecer regras para a utilização de pseudônimos e perfis anônimos na Internet.

10. CD PL 4374/2020: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, LGPD) e a Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011 para restringir o acesso, tratamento de compartilhamento de dados de consumidores por empresas de proteção ao crédito.

11. CD PL 5141/2020: Altera a alínea “a” do inciso II do art. 4º da Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018, e da´ outras providências.

12. CD PL 5314/2020: Altera dispositivos à Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, dispondo sobre a nomeação do Conselho Diretor da Associação Nacional de Proteção de Dados.

13. SF PL 6212/2019: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), para dispor sobre a corregulação.

14. CD PL 6149/2019: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para estabelecer progressividade temporal no valor das multas a serem aplicadas.

15. CD PL 5762/2019: Altera a Lei nº 13.709, de 2018, prorrogando a data da entrada em vigor de dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD — para 15 de agosto de 2022.

16. CD PL 4963/2019: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para regulamentar o compartilhamento voluntário de dados bancários, de investimentos e de seguros dos correntistas com outras pessoas físicas ou jurídicas.

17. SF PL 4496/2019: Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD), para definir a expressão “decisão automatizada”.

18. CD PL 3420/2019: Altera o a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, a fim de alterar o critério da multa aplicada às entidades de direito privado em caso de vazamento de dados pessoais.

19. SF PEC 17/2019: Acrescenta o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art. 22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria.

A pesquisa pelo termo “LGPD” trouxe 37 Resultados. Deles, apenas 7 (sete) não tinham surgido na pesquisa anterior[3]. Nenhum desses projetos que restou pretendia alterar a lei 13.709/2018. Portanto, os dezenove projetos considerados neste artigo serão aqueles previamente mencionados. Foram lidos, para a elaboração deste artigo, (i) o inteiro teor e (ii) as justificativas das proposições selecionadas, aquelas que pretendem, de fato, alterar a Lei — ou, no caso da PEC encontrada, a Constituição Federal.

Insights sobre as proposições

Em razão da novidade da Lei, que é de 2018, a linha de apresentação das proposições no tempo não se altera sobremaneira, como pode ser percebido na figura abaixo, retirada da aba “Insights” da Plataforma Sigalei.

Figura 01: Data de Apresentação das Proposições. Fonte: Insights Sigalei.

Dos projetos encontrados, 12 foram apresentados na CD, e 7 no SF.

Figura 02: Casa na qual foram apresentadas as Proposições. Fonte: Insights Sigalei.

A plataforma também apresenta, de maneira automatizada, quais os partidos políticos dos autores dos projetos.

Figura 03: Principais Partidos que apresentaram as proposições selecionadas. Fonte: Insights Sigalei.

Os únicos parlamentares que propuseram mais de um projeto foram os Senadores Otto Alencar e Veneziano Vital do Rêgo, com dois projetos cada. Veneziano foi autor de três projetos no total, por ser um dos autores da PEC avaliada a seguir. Além dele, Antonio Anastasia também foi autores de uma proposição dentre as selecionadas.

Figura 04: Principais Autores das proposições selecionadas. Fonte: Insights Sigalei.

Como é possível perceber pelas figuras apresentadas acima, a plataforma Sigalei foi essencial não apenas para reunir, em um só local, toda a expertise relacionada a monitoramento de proposições legislativas, mas para visualizar, de maneira imediata, insights que, se precisassem ser feitos de maneira manual pelos pesquisadores, tomariam tempo e requereriam nível de organização significativo, principalmente quando tratamos de dezenas ou até centenas de proposições, como é o caso de alguns dos projetos do CEPI.

Separando as proposições

Os projetos foram agrupados conforme o artigo da LGPD que pretendiam alterar. Os seguintes artigos foram objeto de proposta de alteração (existem projetos que pretendem alterar mais de um artigo na Lei e, justamente por isso, aparecem mais de uma vez na lista):

Art. 1º, que enuncia, em linhas gerais, do que se trata a Lei: PL SF 870/2021 (Senador Veneziano Vital do Rêgo)

Art. 2º, que trata dos fundamentos sobre os quais a Lei é erigida: PL CD 4963/2019 (Deputado Otto Alencar Filho)

Art. 4º, que trata das hipóteses sobre as quais a Lei não se aplica: PL CD 365/2020 (Deputado Ricardo Izar); PL CD 5141/2020 (Deputado Alex Santana);

Art. 5º, que traz as definições a serem utilizadas na norma: PL SF 870/2021 (Senador Veneziano Vital do Rêgo); PL CD 294/2021 (Deputado Rui Falcão); PL SF 4496/2019 (Senador Styvenson Valentim);

Art. 7º, que apresenta as hipóteses nas quais o tratamento de dados pessoais poderá ser realizado: PL CD 3044/2020 (Deputado Paulo Ramos); PL CD PL 4374/2020 (Deputado Wolney Queiroz);

Art. 16, que trata da eliminação e das possibilidades de conservação dos dados pessoais: PL CD 3044/2020 (Deputado Paulo Ramos);

Art. 18, inserido no capítulo que trata dos direitos do titular: PL CD 3044/2020 (Deputado Paulo Ramos);

Art. 50, que trata de boas práticas e de governança: PL SF 871/2021 (Senador Veneziano Vital do Rêgo);

Art. 51, que ressalta a necessidade de a autoridade nacional estimular a adoção de padrões técnicos que facilitem o controle pelos titulares dos seus dados pessoais: PL SF 6212/2019 (Senador Antonio Anastasia);

Art. 52, que determina as sanções às quais os agentes de tratamento de dados estarão sujeitos: PL CD 365/2020 (Deputado Ricardo Izar); PL CD 3420/2019 (Deputado Heitor Freire);

Art. 53, que determina a necessidade de a autoridade nacional definira respeito das sanções administrativas à Lei: PL CD 6149/2019 (Deputado Mário Heringer);

Art. 55, inserido na Seção que trata da Autoridade Nacional de Proteção de Dados — ANPD): PL SF 870/2021 (Senador Veneziano Vital do Rêgo); PL CD 294/2021 (Deputado Rui Falcão); PL CD 5314/2020 (Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança).

Art. 59, incluído na seção que trata do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade: PL SF 870/2021 (Senador Veneziano Vital do Rêgo — Art. 59-A); e

Art. 65, que trata da entrada em vigor da Lei: PL CD 500/2021 (Deputado Eduardo Bismarck); PL CD 578/2021 (Deputada Erika Kokay); PL SF 1027/2020 (Senador Otto Alencar); PL SF 1198/2020 (Senador Alvaro Dias); e PL CD 5762/2019 (Deputado Carlos Bezerra).

Faremos uma breve descrição dos argumentos utilizados pelos parlamentares nas justificativas das proposições que pretendem alterar os artigos que mais receberam sugestões de mudança dentro do universo pesquisado, notadamente os artigos 5º, 55 e 65 da LGPD.

O artigo 5º da LGPD estabelece as definições sobre as quais a Lei se sustentará. Atualmente, a lei possui 19 incisos, e as proposições selecionadas pretendem inserir definições dos seguintes termos:

  • O PL SF 870/2021 pretende acrescentar dois incisos ao art. 5º, definindo os termos “informações de usuários de redes sociais” e “rede social”;
  • O PL CD 294/2021 pretende definir o termo “serviço de mensageria privada”; e
  • O PL SF 4496/2019 pretende definir a expressão “decisão automatizada”.

A definição de termos relevantes em proposições legislativas é prática que garante a uniformização do seu uso e, no limite, a segurança jurídica daqueles que se submeterão à Lei. Interessante notar a preocupação dos parlamentares com a definição desses termos. Nas justificativas dos projetos mencionados, é possível notar a preocupação dos parlamentares com os usuários de redes sociais de troca de mensagem.

No PL CD 294/2021, uma das razões apresentadas para a proposição é a de proibir “(…)a realização de acordos (…) que permitam operações de compartilhamento que resultem em situações de risco ou dano relevante aos titulares, e também aquelas que lhes gerem riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais. (destaques nossos)”.

No PL CD 4496/2019, por sua vez, a preocupação com a definição do termo “decisão automatizada” também tem como objetivo último garantir o direito à explicação do cidadão, a saber o direito do cidadão a informações claras sobre os critérios e os procedimentos adotados para informar a decisão automatizada, garantido no art. 20 da Lei.

O próximo grupo de projetos de lei pretende alterar o artigo 55, inserido na Seção da Lei que trata da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Tanto o PL SF 870/2021 quando o PL CD 294/2021 mencionados acima pretendem alterar o art. 55 da LGPD. Além deles, o PL CD 5314/2020 também tem o objetivo de modificar o mesmo artigo.

O PL SF 870/2021 pretende acrescentar competência à ANPD, acrescentando ao art. 55-J as competências para:

XXV — editar regulamentos que disciplinem a comercialização, o fornecimento e o compartilhamento de informações de usuários de redes sociais por seus provedores;

XXVI — fiscalizar a comercialização, o fornecimento e o compartilhamento de informações de usuários de redes sociais por seus provedores, aplicando as sanções cabíveis;

XXVII — arrecadar e aplicar as receitas provenientes da taxa de fiscalização de aplicações de redes sociais prevista no art. 59-A desta Lei.

De acordo com o Autor, o objetivo dessa inserção seria possibilitar que a LGPD alcançasse não somente o tratamento dos dados pessoais, mas também as informações sensíveis detidas por provedores de redes sociais. A partir disso informações, a ANPD passaria a ser competente para regulamentar e para fiscalizar essas atividades, além de exercer poder sancionador sobre os infratores. Para financiar as novas atribuições do ente regulador, a proposição também sugere criar taxa de fiscalização, que seria paga por provedores de redes sociais, conforme o número de usuários.

O PLCD 294/2021, por sua vez, pretende acrescentar à Lei o art. 55-M, com a previsão da necessidade de submissão prévia à ANPD de acordos que possibilitem o uso compartilhado, a comunicação, a transferência ou a difusão de dados pessoais por parte de serviços de mensageria privada, determinando a abrangência desse dispositivo a serviços que, cumulativamente, possuam mais de 500.000 usuários no país e nos quais o controlador que receba os dados detenha mais de 500.000 usuários no país.

A preocupação do parlamentar está claramente direcionada a eventos recentes, uma vez que, segundo ele, “(…) tomamos conhecimento de que uma grande empresa de serviço de mensageria privada irá compartilhar vários dados pessoais, possivelmente até dados sensíveis, de seus usuários com outra empresa do mesmo grupo empresarial detentora de um serviço de rede social.”. O parlamentar continua em sua justificativa dizendo que, ao criar a obrigação de submete previamente qualquer acordo de compartilhamento de dados à ANPD, as liberdades civis e os direitos fundamentais dos cidadãos serão preservados, particularmente a proteção de dados pessoais, classificada pelo Supremo Tribunal Federal como direito fundamental autônomo[4].

Já o PL CD 4314/2020 sugere alteração no art. 55-D, que trata do Conselho Diretor da ANPD, prevendo aumentar os requisitos para nomeação ao cargo, acrescentando a etapa de aprovação por Comissão de sindicância de vida pregressa e investigação social ao art. 55-D, § 2º, além de indicar a composição dessa Comissão.

Finalmente, foram selecionadas cinco proposições com o objetivo de alterar o art. 65 da Lei, que estabelece a entrada em vigor da Lei, os PLs CD 500/2021, CD 578/2021, SF 1027/2020, SF 1198/2020 e CD 5762/2019. Dentre eles, quase todos pretendem adiar, ainda que para datas distintas, a aplicação de sanções e multas, trazendo como motivo principalmente a pandemia de Covid-19 e seus desdobramentos sociais e econômicos, e a impossibilidade de inúmeras empresas estarem em conformidade com a Lei dentro do prazo estabelecido. Outro argumento que se repete é a implementação recente da ANPD, que, inclusive, estaria trabalhando com quadros insuficientes. A exceção é o PL CD 578/2021, que pretende antecipar a entrada em vigor da Lei. Assim, a ANPD estaria pronta para aplicar sanções de maneira imediata.

Proposições com objetivos específicos

É interessante notar, também, que existem proposições que pretendem alterar diversos artigos, mas que possuem focos específicos, ou “temáticos” nas suas sugestões. Um exemplo disso é o PL CD 365/2020, do Deputado Ricardo Izar, voltada a entidades filantrópicas. que pretende incluir entidades filantrópicas no rol de exceções à aplicação da LGPD, além de institui teto de cobrança no caso de aplicação de sanções a essas entidades. Trata-se, de acordo com o próprio parlamentar, de uma tentativa de evitar que a adequação à LGPD seja uma barreira à prática de atos em prol dos direitos humanos por parte da sociedade civil.

Curiosamente, outra proposição temática direciona-se às instituições financeiras, o PL CD 4963/2019, do Deputado Otto Alencar. Em uma movimentação em prol do compartilhamento de dados por parte do cliente dessas instituições, em claro fomento ao open banking, o Deputado pretende que, ao se institucionalizar que a propriedade dos dados sempre será do cidadão ao qual esses dados se referem, as instituições financeiras não poderão negar o acesso a esses dados, fato que fomentaria a desconcentração no setor bancário.

Outra proposição considerada temática tem como foco as investigações criminais (PL CD 3044/2020, do Deputado Paulo Ramos). De acordo com o Autor, o objetivo do projeto é lidar especificamente com os casos nos quais são usados pseudônimos por pessoas que agem de má-fé, viabilizando a identificação de indivíduos que os utilizam para acobertar ilícitos.

A PEC 17/2019

Finalmente, importante mencionar a única proposta selecionada que não pretende alterar a LGPD mas que, mesmo assim, foi selecionada para integrar o radar, por ter sido considerada paradigmática. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 17/2019, proposta no Senado Federal. A PEC 17/2019 pretende, em linhas gerais, alterar dois artigos da Constituição brasileira, a saber: o artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, e o artigo 22, que apresenta as matérias sobre as quais a União possui competência privativa para legislar.

A PEC pretende inserir o direito à proteção de dados pessoais como cláusula constitucional, acrescentando ao art. 5º o inciso XII-A, cujo texto seria “XII-A- é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais”. Além disso, o art. 22, CF passaria a contar com um inciso XXX, que concederia à União a competência privativa de legislar sobre “XXX. proteção e tratamento de dados pessoais.”.

De acordo com a Justificativa do primeiro signatário da PEC, Senador Eduardo Gomes (MDB/TO),[5] a experiência internacional, tanto europeia quanto de países latino-americanos (como Argentina e Chile), tem demonstrado a relevância de assegurar a proteção legislativa aos dados pessoais. Segundo o Senador, no entanto, apesar de a discussão ter surgido como desdobramento do direito à privacidade, seria necessário travar discussões a respeito da autonomia do direito à proteção de dados e do patamar a ser ocupado por esse recente direito autônomo. Segundo ele, inclusive, países como Portugal, Estônia, Polônia e, mais recentemente, Chile, passaram a prever, constitucional ou infraconstitucionalmente, o direto à proteção de dados pessoais. Daí decorre a proposta para alterar a Constituição nacional.

Além disso, a proposição pretende evitar a fragmentação do assunto pela aprovação de leis estaduais sobre o tema: de fato, o Senador menciona existirem diversas propostas de leis estaduais que tratam de proteção de dados, algumas delas replicando ipsis literis a LGPD. A preocupação com a uniformidade das definições, dos requisitos, da compatibilidade e da segurança jurídica seria justificativa mais do que plausível para pleitear que a legislação sobre proteção e tratamento de dados seja elaborada no âmbito federal.

Apesar de válida, a previsão constitucional a respeito da proteção e do tratamento de dados pessoais não nos parece tão relevante quanto a necessária preocupação de uniformidade e de proteção contra a enorme insegurança jurídica à qual estariam submetidos todos aqueles que precisem se submeter a normas estaduais diversas a respeito do mesmo tema. Apesar de não ser o ponto focal deste artigo discutir a pertinência desta — ou de outras — proposições a respeito do tema, nos parece adequado levantar a questão. De fato, acerta o parlamentar ao ressaltar que a multiplicidade de normas estaduais sobre proteção de dados certamente prejudicaria não apenas a segurança jurídica de empresas e de cidadãos, mas a evolução e o refinamento das próprias iniciativas de tratamento de dados, em razão do aumento exponencial da dificuldade de adequar e de adaptar sistemas a múltiplas normas estaduais.

A PEC foi aprovada no Senado Federal e enviada à Câmara dos Deputados, onde aguarda apreciação pelo Plenário desde 2020.[6]

Considerações Finais

O objetivo de elaborar um radar para proposições com o objetivo de alterar a LGPD é manter o Centro atualizado desse tipo de iniciativa. Ao usarmos a plataforma para mapear proposições futuras, sem a necessidade de alocar mão de obra especificamente para isso, conseguimos otimizar o tempo dos pesquisadores, e manter controle próximo de iniciativas semelhantes, que poderão estar relacionadas com esta ou com outras frentes de trabalho.[7] Exemplificativamente, podemos mencionar o Projeto e-Health, que será objeto de outro artigo, no qual projetos relacionados ao setor de telemedicina invariavelmente abordam o tema do uso de dados dos pacientes. Aliás, parte das proposições aqui selecionadas também se encontravam no nosso radar e-Health.[8]

Este é o segundo resultado desta parceria, iniciada no primeiro semestre de 2021, e que claramente continuará a render contribuições extremamente relevantes não apenas para a comunidade acadêmica, mas para todos aqueles interessados em auxiliar o Poder Legislativo nacional a construir as bases para políticas públicas que avaliem os temas em pauta de maneira o mais informada possível. Nosso agradecimento ao time Sigalei permanece, bem como a reiteração da nossa vontade de construirmos, juntos, uma parceria de sucesso dentro e fora da Academia.

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[1] Destacamos, que, dessas proposições descartadas, diversas afirmavam que era necessário respeitar a LGPD. Mencionamos a seguir os temas sobre os quais tratavam as proposições descartadas, trazendo primeiramente aquelas que se relacionam mais intimamente com o tema de proteção de dados e acesso à internet. Diversas proposições regulamentam a telemedicina, telessaúde ou outros temas relacionados a dados de pacientes ou de segurados (CD PL 748/2021, CD PL 766/2021, CD PL 550/2021, CD PL 139/2021; SF PL 1494/2020, CD PLP 171/2020, CD PL 2394/2020, CD PL 1998/2020); outras tratavam de aspectos relacionados à proteção de dados relacionados ao auxílio emergencial (CD PL 491/2021, CD PL 463/2021, CD PL 425/2021, SF PL 22/2021, CD PL 202/2021, CD PL 28/2021, CD PL 5514/2020, SF PL 5495/2020). Constam, ainda, projetos que instituem a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (CD PL 2630/2020, CD PL 3063/2020); proposições que tratam de uso de dados sobre vacinação (CD PL 662/2021) ou transmissão de dados (CD PL 2121/2020), seja no contexto da pandemia de Covid-19 ou a dados relacionados a outras enfermidades (SF PL 315/2021); e alteração de diversas normas. Foram encontradas proposições que objetivavam a alteração do Decreto 10.747/2020, que “Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados” (CD PDL 394/2020); do Decreto 10.406/2019, que “dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da administração pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados.” (SF PDL 151/2020, CD PDL 673/2019, CD PDL 675/2019, CD PDL 661/2019); e do Decreto 10.047, que “dispõe sobre a governança do Cadastro Nacional de Informações Sociais e institui o programa Observatório de Previdência e Informações, no âmbito do Cadastro Nacional de Informações Sociais.” (CD PDL 674/2019, CD PDL 664/2019). Ainda, temas relacionados à biometria e Reconhecimento Facial (CD PL 811/2020, CD PL 4901/2019; CD PL 4612/2019, CD PL 811/2020); Inteligência Artificial (CD PL 21/2020) e Compartilhamento de Dados (CD PL 4960/2019); projeto que dispõe sobre a obrigatoriedade de disponibilização de acesso gratuito à internet em estabelecimentos do Poder Público (CD PL 4229/2020, CD PL 4152/2020); transparência no uso de algoritmos (CD PL 4120/2020); educação ou ensino à distância (CD PL 164/2021, CD PL 5615/2020, CD PL 3857/2020, CD PL 3144/2020, CD PL 4695/2020); e teletrabalho (CD PL 5581/2020). Foram também descartadas proposições sobre aspectos diversos do Direito Penal (CD PL 5506/2020, CD PL 3890/2020), Tributário (CD PL 5313/2020, SF PLP 200/2020, CD PL 2358/2020) e do Consumidor (CD PL 3281/2019 e CD PL 2612/2019); diretrizes da Tecnologia da Informação e das normas de obtenção e admissibilidade de provas digitais no contexto da investigação e do processo (CD PL 4939/2020); prestação Digital dos Serviços Públicos na Administração Pública (CD PL 4797/2019); e utilização de bases de dados pessoais para fins eleitorais (CD PL 3843/2019); Prestação Digital dos Serviços Públicos na Administração Pública — Governo Digital (CD PL 3443/2019). Além desses temas, foram encontradas proposições sobre: navegação de Cabotagem (SF PL 4199/2020); meia-entrada (CD PL 352/2020, CD PL 383/2020, CD PL 281/2020, CD PL 4585/2020); auxílio emergencial aos pantaneiros no contexto dos incêndios no bioma Pantanal (CD PL 5009/2020); implementação de regras sobre a permuta digital (CD PL 2966/2020); estatuto dos Pacientes (SF PL 493/2020) e Registro Nacional da Pessoa com Deficiência (CD PL 268/2020); regulamentação do sistema de controle interno dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CD PL 4799/2019; CD PL 3448/2019); e tratamento de Câncer (CD PL 6316/2019).

[2] O PL CD 2630/2020, que Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Interne, surgiu em duplicidade na pesquisa, e, por isso, foi considerado apenas uma vez.

[3] São eles: CD PL 640/2021; CD PL 494/2021; CD PL 2969/2020; CD PL 510/2020; SF PEC 3/2020; SF PRS 66/2019 e CD PL 2691/2019.

[4] Conforme mencionado na própria Justificativa do Deputado Rui Falcão, consultar o julgamento do plenário do Supremo Tribunal Federal que referendou a Medida Cautelar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6387, 6388, 6389, 6393, 6390, suspendendo a aplicação da Medida Provisória 954/2018.

[5] A PEC tem, no total, 29 subscritores, mas o texto original é proveniente do gabinete do Senador Eduardo Gomes (MDB/TO), que também consta como primeiro subscritor. Os outros autores são os seguintes: Senadora Eliziane Gama, (PPS/MA), Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senadora Mailza Gomes (PP/AC), Senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE), Senador Angelo Coronel (PSD/BA), Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), Senador Chico Rodrigues (DEM/RR), Senador Eduardo Braga (MDB/AM), Senador Flávio Arns (REDE/PR), Senador Humberto Costa (PT/PE), Senador Irajá (PSD/TO), Senador Jean Paul Prates (PT/RN), Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senador Lasier Martins (PODE/RS), Senador Luiz do Carmo (MDB/GO), Senador Marcos do Val (PPS/ES), Senador Marcos Rogério (DEM/RO), Senador Mecias de Jesus (PRB/RR), Senador Nelsinho Trad (PSD/MS), Senador Paulo Paim (PT/RS), Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), Senador Rogério Carvalho (PT/SE), Senador Telmário Mota (PROS/RR), Senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB), Senador Wellington Fagundes (PR/MT), Senador Weverton (PDT/MA) e Senador Zequinha Marinho (PSC/PA).

[6] Foi proposto substitutivo à proposição, que pode ser consultado na ficha de tramitação, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2210757

[7] A título de informação, uma das intenções da parceria era que, durante o uso da plataforma, os pesquisadores do CEPI dessem sugestões ao time da Sigalei conforme as necessidades que surgissem durante a pesquisa. Uma delas foi discutida em reunião, sobre a possibilidade de cruzamento dos resultados obtidos nas pesquisas com palavras-chaves distintas. Esta foi uma das questões levantadas inicialmente pela autora após obter os resultados das buscas realizadas neste artigo, e realizar a filtragem manualmente. Posteriormente, no entanto, foi averiguado com o time Sigalei que bastava inserir o termo “OU” na aba de pesquisa para obter os resultados já unificados.

[8] Notadamente CD PL 365/2020 e SF PL 6212/2019.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou as instituições parceiras.

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Este artigo foi escrito por:

Mariana Chaimovich — advogada, mestre em Direito Internacional pela USP e doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da USP. Atua como consultora de relações governamentais.

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